André Silva despediu-se este sábado da liderança do PAN – Pessoas Animais e Natureza com um imenso rol de conquistas, desde assuntos mais ambientais e de proteção animal até questões gerais, como o combate à corrupção, e uma espécie de testamento político: é preciso que o partido não se deixe acantonar e possa dialogar tanto à esquerda como à direita.
“É importante que o PAN mantenha uma atitude que, sendo construtiva, não se deixa acantonar à esquerda ou à direita, e não renuncia à sua autonomia para agradar a pretensos patrões políticos. É importante que o PAN, enquanto partido de charneira, continue a ser capaz de construir pontes para conseguir avanços nas suas causas, que não se transforme num partido do sistema, que não se institucionalize, ou seja, que não normalize o discurso, que não corrompa as suas linhas programáticas adoçando-as”, afirmou André Silva, no discurso que fez na abertura do Congresso do PAN, que decorre este fim-de-semana em Tomar.
“Acima de tudo, o PAN não tem nem pode ter complexos com a crítica da comunicação social. Faz parte da construção democrática. E não temos nem podemos ter complexos com as tentativas de descredibilização do comentarismo político que, como sabemos, obedece a outras agendas. Foi a navegar no mar da controvérsia que nos afirmámos, e será a usar a força do preconceito e dos interesses dos adversários que nos consolidaremos”, acrescentou o líder que levou o PAN ao Parlamento e que, neste congresso, passa o testemunho a Inês Sousa Real.
O grosso do discurso de André Silva foi a desfiar conquistas do PAN nos últimos seis anos. Primeiro as touradas. “Nos últimos 6 anos a garraiada académica do Porto acabou, a de Coimbra terminou, a de Setúbal deixou de se fazer, e a de Évora já não se faz. Os bilhetes das corridas são hoje tributados com IVA a 23%, há 6 anos eram só borlas fiscais. Nos últimos anos a tauromaquia perdeu vertiginosamente espectadores, a Praça de Touros de Albufeira encerrou e a Praça da Póvoa de Varzim foi demolida. E muito se deve à ação do PAN, ao vosso trabalho, ao vosso empenho. O sector tauromáquico sabe que não adianta falar grosso ou fazer ameaças, que no PAN não temos medo deles, que no PAN pegamos a tauromaquia de caras”, declarou André Silva, que só neste ponto do discurso nomeou adversários políticos ao dizer que os ativistas das touradas “não conseguem juntar mais que 20 pessoas numa manifestação: 7 cavaleiros, 6 matadores, 3 bandarilheiros, 2 emboladores, o Chicão e o Ventura”. Um momento que gerou risos e aplausos na sala do Hotel dos Templários onde decorre o congresso.
Depois, o “salto jurídico-filosófico” que o país deu ao deixar de qualificar os animais como coisas. E na sequência da lei proposta pela PAN que diz que os animais que têm que ser tratados como seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica vieram várias outras conquistas: a proibição de abater animais como forma de controlo populacional, a permissão para os animais entrarem em cafés, a obrigação de libertar animais enjaulados e, “dentro de semanas” a proibição do tiro ao pombo.
Outras conquistas do PAN foram o “descarte irresponsável de pontas de cigarro”, o compromisso da desplastificação, a taxa sobre o carbono da aviação que financia a ferrovia, o fim da utilização de óleo de palma na produção de biocombustíveis e a proibição da venda não profissional de glifosato.
Luta no prato e contra a corrupção
“Mas a luta mais difícil no que respeita ao combate às alterações climáticas e à depredação de recursos naturais, faz-se no prato, porque todos querem mudanças, mas poucos querem mudar. Se há 6 anos discutir o que se come soava a delírio, hoje são cada vez mais aquelas e aqueles que concordam com o PAN: comer é um ato político!”, continuou André Silva, defendendo que “comer alimentos de baixa pegada ecológica é uma parte significativa da solução de problemas como as mudanças climáticas e a fome no mundo”.
O PAN, contudo, não se fica apenas pelas causas animal e ambiental. E André Silva também fez questão de mostrar como o partido conseguiu marcar o debate política com propostas como a obrigação de os políticos declararem a sua filiação em organizações como a maçonaria, que ainda está em discussão ou projetos pela transparência e contra a corrupção.
“Perante um PSD apático e uma esquerda colaboracionista, foi o PAN quem pôs a nú a falta de ética e os riscos que estavam associados ao salto direto de Centeno para o Banco de Portugal, foi o PAN quem pôs o pé na porta giratória que existia entre a banca comercial e o Conselho de Administração do Banco de Portugal – e que tanto custou ao país nos últimos anos –, conseguindo consagrar, pela primeira vez em lei, um período de nojo que impede estes saltos diretos de ética duvidosa. E não vamos ficar por aqui, em breve, muito em breve aprovaremos a regulação da atividade do lobbying, a criminalização do enriquecimento injustificado dos ex-políticos ou uma legislação de proteção dos denunciantes. E com a força que nos deram, fomos uma formiga no derrubamento de muros da desigualdade e do preconceito”, desfiou o líder cessante do PAN, que defende um partido livre de constrangimentos forçados por alianças circunstanciais ou alinhamentos internacionais .
“Hoje existe em Portugal uma força política que, sem espartilhos ideológicos ou patrões políticos, e tantas vezes sozinha, é capaz de condenar com a mesma veemência as violações de direitos humanos, sejam elas do Governo de António de Costa sobre os trabalhadores agrícolas de Odemira, venham elas dos ataques de Bolsonaro aos povos indígenas, venham elas da ilegítima ocupação de território e agressão do povo palestino por Israel de Netanyahu, venham elas da perseguição de opositores políticos na Bielorussia de Lukashenko, venham elas do criminoso genocídio institucionalizado do povo uigure e tibetano na China de Xi Jinping, ou venham elas das medidas homofóbicas, transfóbicas e xenófobas da Hungria e da Polónia”, continuou.
“Onde estão as vozes que diziam que só nos preocupávamos com os animais?”, perguntou André Silva para quem essas vozes foram “silenciadas” pela atividade do partido nestes seis anos. Mas “muito ainda está por fazer”, continuou, e passou a enunciar o que devem ser as próximas batalhas do partido.
“Não podemos aceitar que, Orçamento após Orçamento, o Governo continue a dar mais de 500 milhões de euros em subsídios perversos ao sector energético. Não podemos aceitar que continue a existir uma legislação ambiental que dá carta branca a projetos que plastificam a costa vicentina ou a mega plantações intensivas em regiões com escassez hídrica. Não podemos aceitar que o mesmo Governo que gosta de se afirmar o campeão das alterações climáticas, seja o mesmo que quer construir, a todo o custo, um aeroporto no Montijo”, defendeu André Silva, que também não aceita que o Governo continue a oferecer “10 milhões de euros ao baronato da caça”, mas não apoie os municípios na proteção animal.
“Não podemos aceitar que o mesmo Governo que se esconde atrás dos entraves da burocracia de Bruxelas para não descer o IVA dos atos médico-veterinários para 13%, seja o mesmo que nada faz para estancar as perdas de mais de 1000 milhões ao ano para paraísos fiscais em fraude, evasão e elisão fiscais ou que por dois consecutivos dá borlas fiscais para o futebol por causa da champions league. Não podemos aceitar que o mesmo Governo que diz que não tem dinheiro para assegurar uma redução de impostos para a classe média, seja o mesmo que, ano após ano, passa cheques em branco ao Novo Banco para pagar despesas não previstas nos acordos de venda. Estas são algumas das batalhas que temos de travar para assegurar um país com um futuro desejável”, continuou o líder do PAN, que também deixa o lugar de deputado.
“O partido tem condições para continuar o caminho de sucesso que teve até aqui”, acredita André Silva, que levou o PAN a negociar Orçamentos do Estado e entende que “as causas do PAN são transversais a toda a sociedade e são maiores do que qualquer gaveta ideológica e do que qualquer pessoa ou projeto pessoal”.