No decorrer da incerteza do que era o novo vírus, durante os primeiros tempos de pandemia de Covid-19, a presença de especialistas, de várias áreas, nos diversos canais de comunicação foi evidente, fosse para desmitificar a doença e as suas características ou na tentativa de sensibilizar para a importância da vacinação.
Mas é certo que isso não foi um impedimento para que as teorias da conspiração não pudessem proliferar, quase ao mesmo ritmo do próprio vírus: desde a ideia de que o Sars-CoV-2 foi deliberadamente criado num laboratório pela indústria farmacêutica de olho no lucro com a venda de uma vacina, que foi concebido pelos governos da China ou dos Estados Unidos ou mesmo a hipótese de o vírus ser transmitido através do uso da tecnologia 5G.
A verdade é que agora que o pior parece ter terminado - percetível pelo próprio fim da pandemia declarado pela OMS - será que estas vozes perderam espaço mediático? Os jovens portugueses confiam na ciência ou mostram algum ceticismo? Vale sempre a pena responder a um negacionista? Quais são os antídotos para as teorias da conspiração?
Tiago Correia, professor de Saúde Internacional do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), da Universidade Nova de Lisboa, reconhece que "no espaço público houve uma ideia geral de que os jovens aceitaram pouco as vacinas", mas os números provam o contrário.
"Se olharmos para a população jovem dos 12 aos 17 anos, 98% fez a vacinação primária contra a Covid-19, é um número bastante interessante, sobretudo se considerarmos que é uma vacina nova. Porque, por exemplo, para a vacinação do HPV, a taxa de aceitação dessa vacina, que é uma vacina relativamente nova, também é mais baixa, pouco acima de 60%. Não vejo de todo que haja um problema com os jovens portugueses. Dos sinais que vou vendo - como a adesão à vacinação, a questão dos métodos anticoncetivos, da utilização de serviços de saúde - não há nada que nos faça acreditar nisso."
Tiago Correia admite, no entanto, que no que toca à implementação de medidas sanitárias identificou "uma maior resistência e maior crítica" por parte dos jovens e Portugal falhou quando "a mensagem inicial foi de que a Covid-19 era um problema dos mais velhos" e, de repente, "afinal, os jovens também tinham de alterar comportamentos".
"Demorou-se muito tempo a perceber que não se comunica com os jovens da mesma forma que se comunica com pessoas mais velhas. Quando pensamos em comunicações de saúde pública, não podemos achar que colocamos um cartaz na rua ou colocamos um anúncio na televisão ou uma promoção na rádio para que a mensagem seja recebida e seja interiorizada. Isso não é suficiente."
Segundo o especialista, “os veículos de informação têm de ser outros, como os influencers. São essas as pessoas que são 'a força armada' a favor da informação e dos bons exemplos. E as autoridades de saúde têm de olhar para essas pessoas como aliados fundamentais."
Ridicularizar negacionistas "não é solução"
Num momento considerado de reflexão, depois do auge da pior fase da Covid-19, que levou à morte de milhões de pessoas em todo o mundo, a perceção é a de que as vozes desacreditadas na ciência perderam algum espaço mediático, mas a verdade é que estas que não desapareceram. Prova disso são os grupos criados no Facebook, como "O Elefante na Sala", com cerca de 6 mil membros, que nega factos amplamente estudados e comprovados não só sobre a Covid-19, como a hepatite aguda ou a guerra.
O grupo diz pretender "juntar pessoas para apoiar a Alternativa Democrática Nacional (ADN)” e tem o objetivo de eleger pelo menos um deputado para a Assembleia da República. Mas como devemos lidar com estas pessoas? Primeiro, não os rotulando de 'negacionistas'. Segundo, tentando vencê-los pela insistência nos factos, defende o professor de Saúde Internacional do IHMT-NOVA.
"Esconder informação é a pior coisa que pode acontecer. E isso sim é um terreno fértil para a especulação, para a negação, para a dúvida, para a suspeita, para a falta de confiança, para tudo, todos os ingredientes que nos levam àquilo que é o negacionismo. Não vale a pena entrarmos numa luta de palavras que é suja, porque um negacionista não vai deixar de ser negacionista”, sublinha.
E acrescenta: “ridicularizá-lo também não é solução. O que é importante é desacreditar a mensagem, é dizer as vezes que forem necessárias que aquilo não é verdade. É mostrar por A mais B que não é verdade”.
Tiago Correia rejeita a ideia de que ao termos controlado a pandemia, se dê razão a algumas pessoas que argumentam que o vírus não era assim tão grave. O número avassalador de mortes "é um argumento suficiente" para dissuadir estas vozes, acredita.
"Se nos recordarmos do que aconteceu em Fevereiro de 2020 em Itália, daquilo que aconteceu em Espanha... Se achamos que aquilo foi uma ficção, é porque vivemos numa realidade completamente paralela. Nos Estados Unidos vimos com grande clarividência o que aconteceu quando há uma negação política deste facto. A mortalidade foi monumental, assim como no Brasil. Se alguém fica confortável com a ideia de que agora está tudo controlado, logo, tudo o que fizemos no início foi escusado, quer dizer, a pessoa não percebeu nada do que aconteceu. E nós temos que perceber que em diferentes momentos temos que adotar diferentes medidas."
Negacionismo "é um fenómeno que veio para ficar"
O professor de Saúde Internacional do IHMT-NOVA não entende "por que razão pessoas escolarizadas, às vezes os próprios profissionais de saúde, também são eles os primeiros a ser os negacionistas" e admite que "ninguém estava preparado" para o fenómeno.
Tiago Correia assume que o papel das sociedades “foi educar as gerações, para que gerações mais novas não estivessem expostas a uma falta de informação e fossem mais conscientes nas suas escolhas”. No entanto, reconhece que, apesar de não acreditar que “de repente o negacionismo vá explodir e vá marcar o nosso quotidiano, estas bolhas de negação da realidade existem, ganharam um ímpeto muito grande com a Covid-19 e não desaparecerão depois de a Covid estar resolvida. É um fenómeno que veio para ficar."
E acrescenta: "Tudo o que nós assistimos, como o caso da TAP, por exemplo, mina a confiança que as pessoas têm nas pessoas e nas instituições. E quem é que cavalga essas ondas? É o populismo que está ligado ao negacionismo. E uma coisa alimenta-se da outra (...) Lamentaria mesmo que fosse preciso voltar a morrer de doenças sobre as quais já não morremos e já não precisamos adoecer, para que voltássemos a acreditar na eficácia das vacinas e na importância das vacinas ou dos medicamentos.", remata.