Os inspetores da Polícia Judiciária (PJ) ouvidos na sessão desta quinta-feira do julgamento do processo Football Leaks negaram qualquer “afinação de estratégias” no encontro com a procuradora do Ministério Público (MP) após o início das diligências em tribunal.
José Amador, que liderou a investigação, e Hugo Monteiro voltaram a ser inquiridos no Juízo Central Criminal de Lisboa, na sequência de um requerimento da defesa de Aníbal Pinto, com vista a esclarecerem os relatos de diligência externa (RDE) da PJ sobre a operação de vigilância ao encontro na área de serviço da autoestrada A5, em outubro de 2015, bem como do email de convocatória para uma reunião em setembro de 2020 com a magistrada Marta Viegas.
“Fi-lo sem qualquer reserva mental ou malícia. Não há aqui nenhuma estratégia. Há uma reunião com partes que são, no contexto do inquérito, intervenientes e queriam esclarecer dúvidas. Não queria afinar nada. Este email destinava-se a convocar um encontro com a procuradora do julgamento, solicitado pela procuradora. Não se afinou estratégia nenhuma, respondeu-se a questões colocadas e que são perfeitamente normais.”
O coordenador da investigação do caso Football Leaks – que vai continuar a ser inquirido de tarde - explicou que o procedimento de agendar reuniões é normal para a PJ e que “ocorre ao sabor dos eventos e das situações” nos diferentes processos.
“Não é nada de extraordinário”, reiterou, admitindo hoje não saber se na data desta reunião, em 08 de setembro de 2020, já tinha ou não começado o julgamento [n.d.r.: começou em 04 de setembro].
Sobre a reunião, José Amador confirmou as presenças dos colegas Rogério Bravo, Paulo Abalada, José Garcia e Hugo Monteiro, além da procuradora Marta Viegas – que assumiu que já conhecia anteriormente a este processo -, e disse que a inspetora Aida Freitas não esteve presente, apesar de também ter sido convocada no referido email. Ato contínuo, desvalorizou a importância da reunião, perante as questões da defesa de Aníbal Pinto.
“Não sei quanto tempo durou. Não teve propriamente uma ordem de trabalhos. Foi uma reunião informal. O ‘grosso’ da reunião ocorreu sem os meus colegas, à exceção do meu coordenador [Rogério Bravo] e as questões que eu melhor recordo eram relacionadas com o relatório forense”, notou, sem deixar de manifestar um desabafo durante o depoimento: “Pareço estar a ser julgado por um conteúdo e isto não tem nada transcendente”.
Quanto ao encontro na área de serviço da autoestrada A5 entre o antigo CEO da Doyen Nélio Lucas, o colaborador Pedro Henriques e Aníbal Pinto, o inspetor explicou as razões para terem sido efetuados dois RDE – “um de enquadramento e outro relativamente a factos num contexto diferente” – e relativizou as diferenças de linguagem entre os dois documentos.
“Relativamente às questões de estilo e redação, dentro dos meus conhecimentos redigirei aquilo conforme me relatam. Quando as pessoas assinam, são confrontadas com determinado conteúdo e se não estivessem de acordo, as pessoas diziam que não era assim. Todos esses elementos das aspas ou dos nomes foram de momentos que me transmitiram. Sou inspetor da PJ, não sou entendido universitário da língua portuguesa”, resumiu.
O inspetor Hugo Monteiro seguiu a mesma linha de raciocínio perante as questões da defesa de Aníbal Pinto, ao considerar que o RDE foi “o resultado daquilo que foi transmitido pelos inspetores que estiveram na diligência” a José Amador, que efetuou a redação.
“Não vou questionar um colega pela pontuação que utiliza. Se houver alguma incorreção, questiono. Assinei [o RDE], porque faz sentido”, vincou Hugo Monteiro, acrescentando desconhecer a existência de fotografias da operação na A5 ou se teriam sido pedidas imagens de videovigilância do espaço comercial onde decorreu o encontro de outubro de 2015.
Relativamente à reunião com a procuradora, Hugo Monteiro adiantou que a mesma teve lugar nas instalações da PJ, em Lisboa, e que teve uma participação “muito breve”, acabando por ser dispensado em pouco tempo, permanecendo apenas entre cinco a 10 minutos.
“Não foram afinadas estratégias nenhumas. Foram esclarecimentos técnicos”, respondeu o inspetor, perante a insistência das perguntas da defesa de Aníbal Pinto, que chegou a ser visada pela juíza-presidente Margarida Alves: “Está a tentar deturpar o que foram as palavras do inspetor. (…) Em sede de alegações tirará as conclusões”.
No entanto, a defesa de Aníbal Pinto acabou por requerer a extração de certidão dos dois inspetores para o Ministério Público investigar a eventual prática dos crimes de falsidade de testemunho, falsidade de documento, abuso de poder e violação de dever, com o tribunal a deferir os dois requerimentos contra José Amador e Hugo Monteiro.
Rui Pinto, de 33 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto de 2020, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.