A organização não-governamental 'Salvar a Ucrânia' revelou, esta quinta-feira, após ajudar ao regresso de 96 menores ucranianos deportados para a Rússia, que os casos reais de deportações são pelo menos 19.400, tendo regressado, no total, 364.
No entanto, não existem dados fiáveis sobre o destino de centenas de milhares de menores nos territórios ucranianos ocupados pelas forças russas desde o início da guerra russa na Ucrânia, em fevereiro do ano passado.
A organização não-governamental (ONG) efetuou seis missões à Rússia para ajudar familiares dos menores ucranianos deportados a chegar a onde estão e devolvê-los ao seu país.
Essa experiência voltou a confirmar "a natureza sistemática e deliberada das deportações", declarou numa conferência de imprensa em Kiev o responsável da ONG e ex-defensor dos direitos dos menores, Mykola Kuleba.
"A Rússia está a tentar solucionar o seu problema demográfico e formar mais soldados", sustentou Kuleba, expressando preocupação com a militarização e a doutrinação a que estão sujeitos os menores ucranianos em famílias, escolas e campos russos.
Segundo o responsável da 'Salvar a Ucrânia', Moscovo tem utilizado vários métodos de deportação de menores, além de enviar para o seu território todos os internos em orfanatos e os filhos de ucranianos que morreram durante a invasão.
Os russos recorreram a "manipulação, pressão e ameaças" para obrigar os pais a concordar com o envio dos seus filhos para campos de "reabilitação" na Crimeia, na Bielorrússia e na Rússia, indicou.
Kuleba explicou que os civis que residem nas zonas ocupadas desconhecem dados da guerra e são, muitas vezes, intimidados para aceitar enviar os filhos "de férias".
Manter "condições de vida desumanas" nessas zonas é uma estratégia russa deliberada, prosseguiu, para que os habitantes, confrontados com bombardeamentos constantes, ilegalidades e falta de serviços básicos, encarem a decisão de enviar os filhos para a Rússia "como a única maneira de salvá-los".
Quando as zonas onde alguns habitam são libertadas pelas tropas ucranianas, os menores já se transformaram em reféns da Rússia, e os cidadãos russos facilmente conseguem a sua tutela provisória, com a revisão da legislação que agilizou os trâmites para obter a cidadania russa aprovada no ano passado, acrescentou.
Alina Kovaliova, uma menor de 15 anos que falou na conferência de imprensa juntamente com a mãe, Svitlana Popova, fugiu de casa numa localidade ocupada de Kherson, depois de ter sido convencida por um cidadão pró-russo de que os soldados ucranianos os matariam a todos.
Passou meio ano em Mordóvia, a cerca de 1.500 quilómetros de casa, antes de a mãe a localizar e a levar de volta à Ucrânia, depois de viajar com o apoio da ONG.
A advogada Myroslava Kharchenko, da 'Salvar a Ucrânia', relatou como a impressionou a rapidez com que foram emitidos novos documentos russos para Alina e como foram ignorados o facto de ter família na Ucrânia e os seus documentos ucranianos. Disse que Alina estava prestes a receber a nacionalidade russa quando se conseguiu recuperá-la.
"As leis russas tornam teoricamente possível a qualquer um sequestrar a minha filha da escola, levá-la para a Rússia, colocá-la sob tutela temporária e, em seguida, pedir em seu nome a cidadania russa e adotá-la", declarou Kharchenko.
Alguns dos menores que a ONG ajudou a regressar afirmaram que estavam decididos a voltar para a Ucrânia.
Kuleba contou o caso de um rapaz de 12 anos que disse que tinha um plano pronto para fugir da Rússia e que o único obstáculo era saber "como atravessar os campos de minas da frente" de combate.
Esperava-se que a avó da menor Vlada Pavliuk fosse buscá-la numa das missões anteriores, mas morreu numa paragem de autocarro, após suportar 14 horas de interrogatório do Serviço Federal de Segurança russo.
A Vlada, os russos disseram que não tinha ninguém à sua espera na Ucrânia e, quando outro familiar se declarou disposto a acolhê-la, há várias semanas, levaram-na para paradeiro desconhecido e desde então nada se sabe dela, relatou o responsável da ONG.
"A Rússia está a tentar apagar a identidade ucraniana", observou Mykola Kuleba, instando a comunidade internacional a pressionar Moscovo para que devolva os menores deportados.