Testes médicos não detectam tudo, diz especialista em medicina de esforço
28-11-2016 - 14:31
 • Sérgio Costa

O médico Basil Ribeiro defende que não basta fazer testes: é preciso acompanhar de perto que é sujeito a cargas físicas que podem pôr a saúde em risco. "É preciso, a este nível, nos Comandos ou em desportos de alta competição, termos uma vigilância permanente, presente e de proximidade", declara.

O médico Basil Ribeiro, especialista em medicina de esforço, encara como "pacífico" - e faz questão de colocar a palavra entre aspas - o facto de alguns dos problemas de saúde que padeciam elementos que integraram o 127.º curso de Comandos não terem sido detectados.

Em entrevista à Renascença, o especialista lembra que certas patologias não são detectáveis de imediato e, por isso, defende que, em caso de grupos sujeitos a cargas físicas elevadas, como as da tropa ou do desporto de alta competição, importa apostar num acompanhamento permanente e de proximidade.

No conjunto de informações recolhidas pela Renascença, Basil Ribeiro estranha apenas o caso de um candidato que sofreria de doença cardíaca de origem genética, porque "as principais doenças cardíacas que desencadeiam uma morte súbita são detectáveis com os instrumentos e o conhecimento que temos".

Como se compreende que este conjunto de patologias possa não ser detectado em exames médicos feitos a candidatos a um curso onde a capacidade física, além de outras, é testada ao limite?

Em princípio, a bateria de testes que se faz é constituída por análises, exames auxiliares de diagnóstico e, em princípio, detecta a quase totalidade da patologias que poderão não só por em risco a vida do atleta como as que o próprio exercício pode agravar. No âmbito do nosso conhecimento médico actual, conseguimos fazer isto, mas há certas patologias que, naturalmente, não se consegue detectar.

No caso concreto que vem agora relatado pela Renascença, é preciso perceber o que é que temos. Fala-se de um tumor ósseo na bacia, mas há tumores ósseos que são benignos e que não têm qualquer problema em termos de saúde ou de rendimento desportivo. Por outro lado, em termos de diagnóstico, isto implicava fazer uma bateria de radiografias de cima abaixo, do corpo todo, por vezes complementadas com ressonâncias e TAC e, portanto, em termos financeiros, não é comportável, ou seja, o custo-benefício em relação não é favorável e, portanto, não faz sentido fazer isso.

A dismetria dos membros também não é importante. Há jogadores de futebol que aparecem na televisão aos domingos e à segunda com um centímetro e meio de alteração de comprimento dos membros e jogam sem queixas.

Há também doença cardíaca. Um simples eletrocardiograma não detecta? A doença cardíaca genética que vem referida - e que eu não sei qual é - complica a minha resposta. O que nós sabemos é que, hoje, felizmente, as principais doenças cardíacas que desencadeiam uma morte súbita são detectáveis com os instrumentos e o conhecimento que temos, e eliminamos muitas numa primeira fase.

Os exames que se fazem estão relacionados com a intensidade do esforço a que a pessoa vai ser sujeita. Não nos limitamos a fazer um eletrocardiograma, fazemos um ecocardiograma, fazemos uma prova de esforço e, depois, fazemos mais outros exames, se for preciso. A grande questão é a seguinte: o exame médico-base, o histórico clínico, saber os sintomas e queixas, um eletrocardiograma e uma boa auscultação cardíaca permitem detectar quase tudo. Muitas vezes, nós não conseguimos avançar mais porque os próprios candidatos também, às vezes, não se queixam ou não se queixam devidamente e não temos indicação para continuar o exame médico.

Durante a prática do esforço, durante o curso, o acompanhamento não é contínuo. Se a prática de esforço físico pode fazer aumentar esses sintomas, como é que se faz o acompanhamento?

Um exemplo: a morte súbita no desporto é muito pequena. Estamos a falar de um ou dois casos de morte súbita por ano, por cada cem mil praticantes de desporto. Esses um ou dois acabam morrem porque, geralmente, não havia maneira de detectar o problema, porque a ciência ainda não chegou a esse ponto. O investimento em exames e testes, que é o que as pessoas querem, é pouco rentável. Tão importante como actuar a montante, seria actuar a jusante, ou seja, estar-se no sítio onde os acidentes podem acontecer para, caso aconteçam, nós actuarmos de imediato, salvando vidas. Se nós prevemos condições atmosféricas adversas, se nós prevemos que o esforço físico vai ser muito intenso, se nós prevemos desidratação, teremos que estar lá à beira dos praticantes do exercício físico com o equipamento adequado para socorrê-los em caso de necessidade.

Neste caso, diz o Exército que os alunos do curso de Comandos passaram por três baterias de exame. Mesmo assim, eu mantenho o que disse: é preciso estar a montante para actuar. Na parte cardíaca, há situações que são intermitentes. Eu estou-me a lembrar de uma situação de alteração de condução eléctrica dentro do coração, que pode ser intermitente. Eu posso fazer um eletrocardiograma hoje e, para a semana, fazer o mesmo eletrocardiograma e eles serem diferentes. Por isso, é que é preciso, a este nível, nos Comandos ou em desportos de alta competição, termos uma vigilância permanente, presente e de proximidade.

Temos é que estar à beira, temos que estar no local para actuar, quando necessário. É muito mais rentável e muito mais eficaz. Rentável em termos financeiros e eficaz em termos de salvar vidas.

Tudo o que foi detectado agora, à posteriori, poderia ter sido detectado antes, se se fizesse um grande investimento financeiro, mas, lá está: estamos num país de limitação de custos. Nós temos que ver onde é que vamos gastar o nosso dinheiro.

Parece-me pacífico - e digo 'pacífico' entre aspas - aquilo que, nestes exames, não terá sido detectado - tirando a doença cardíaca congénita ou genética, que eu não sei o que é.