O Conselho de Ética para as Ciências da Vida já tinha dado o seu parecer negativo, em 2021, sobre a hipótese de inseminação pós-morte aquando da discussão na Assembleia da República do projeto que lei que permitiu, agora, o nascimento do bebé concebido depois do pai morrer.
Esta quinta-feira, um dia depois de Ângela Ferreira ter dado à luz o bebé concebido em laboratório, o Conselho de Ética para as Ciências da vida reforça o sentimento de apreensão com o caso.
Em entrevista à Renascença, a presidente Maria do Céu Patrão Neves indica que “o Conselho vê com alguma apreensão a geração de uma criança exclusivamente ao abrigo do princípio da autonomia do adulto, sem consideração pelo ser a ser, ou seja, sem tomar em atenção o melhor interesse da criança”.
A responsável levanta outra questão que também espelha a “apreensão e preocupação do Conselho”. Em causa a forma como são utilizadas as tecnologias de reprodução.
“É a progressiva conversão das tecnologias reprodutivas da procriação medicamente assistida” refere Maria do Céu Patrão Neves que lembra que “há quem não possa naturalmente ter filhos”.
Neste caso de inseminação pós-morte, esta responsável fala numa “conversão do método subsidiário para um método alternativo à geração de uma nova vida”.
O Conselho de Ética para as Ciências da Vida que tem emitido pareceres sobre a matéria levanta ainda dúvidas do ponto de vista jurídico.
“É preciso fazer um bocadinho de memória em relação a este caso particular em que se estabeleceu uma lei, a formulação da lei de procriação medicamente assistida, para atender a um caso”.
Maria do Céu Patrão Neves lembra o caráter global que a legislação deve ter e diz que esta lei à medida “não é um bom princípio do ponto de vista jurídico”.
“A lei tem um alcance geral e não um alcance particular”, sublinha, acrescentando que “se esse princípio prevalecer, de se elaborarem leis para casos particulares, é a sociedade que vai perder, porque o direito deve corresponder àquilo que são as expectativas da sociedade como um todo e não propriamente a elaborarmos leis para casos particulares”, conclui.
O projeto para consagrar a inseminação pós-morte na Lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), aprovado em 2021, nasceu de uma Iniciativa Legislativa de Cidadão, dinamizada por Ângela Ferreira, que pretendia engravidar do marido que morreu em março de 2019 vítima de cancro.
A primeira criança concebida em Portugal após a morte do pai nasceu esta quarta-feira, divulgou a mãe. Ângela Ferreira anunciou o nascimento do filho, numa mensagem que inclui também uma homenagem ao marido.
"Agora vou-me isolar nesta bolha de amor e aproveitar o máximo que conseguir. Poderia e se calhar deveria dizer mais, mas neste momento quero usufruir e aproveitar este amor sem fim", referiu.