Luís Marques, antigo administrador da RTP e da Impresa, defende a criação de incentivos fiscais públicos para a criação de fundações que assumam a propriedade dos órgãos de comunicação social. No programa “Da Capa à Contracapa”, Luis Marques sugere que o Estado crie condições favoráveis ao aparecimento de instituições lucrativas para gerir órgãos de comunicação social.
“É o que acontece em França, por exemplo. O 'Le Monde' é detido por duas fundações. Porque é que a Lusa não é por exemplo uma fundação?”, questiona o antigo diretor-geral da SIC, no programa da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Luís Marques sugere, ainda, apoios do Estado ao nível da formação, desenvolvimento tecnológico e circulação de publicações, considerando que há vários mecanismos de estímulo estatal que não comprometem a independência dos órgãos de comunicação social. Entre as possíveis intervenções do Estado, Luís Marques apela a um melhor escrutínio da Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) em relação aos acionistas dos órgãos de comunicação social.
“A ERC devia ser mais rigorosa nisso. Devia ser completamente vedada a entrada dos fundos nos grupos de media. Sou completamente definitivo sobre esse ponto. Mas, lá atrás, foi permitida a entrada de grupos angolanos e chineses de identidade muito dúbia. Como é que o Estado português ou a ERC permitiram isso? O capital estrangeiro pode entrar nas empresas de media mas tem que ser escrutinado antes de entrarem, porque depois de entrarem, já não há nada a fazer", constata o antigo administrador da Impresa.
Como ajudar a Global Media
Luís Marques apela à intervenção da sociedade civil para que seja constituída uma fundação para salvar o Grupo Global Media, deixando esse apelo a cidadãos e empresários: "Se me perguntassem se quereria comprar uma participação numa fundação que tomasse conta da Global Media, não me importava nada de investir", afirma o antigo jornalista do Expresso no " Da Capa à Contracapa".
O também colunista do Expresso acredita ainda que os órgãos de comunicação social do Grupo Global Media vão ser "vendidos às postas", de forma separada, e argumenta que o problema começou há mais de 30 anos com o que chama de "pior privatização nos media em Portugal".
"A Global Media está mal desde o início, desde a privatização em 1990. São dois grupos que nunca falaram. O Jornal de Notícias e o Diário de Notícias eram 'irmãos desavindos', não tinham uma cultura comum e eram rivais. Foi a pior privatização dos média que foi feita", insiste Luís Marques, que defende que não faz sentido uma nacionalização do grupo. "Ninguém pode aceitar uma compra pelo Estado da participação de um fundo", afirma.
Para Bárbara Reis, diretora do jornal Público entre 2009 e 2016, o que o Estado podia fazer era o negócio de compra de uma participação provada na agência Lusa, onde os acionistas da Global Media detêm uma participação em torno dos 45%. " É uma forma de o Estado ajudar o jornalismo, mais do que estar a comprar jornais. O Estado tem a RTP, tem a Lusa. Vai agora ser proprietário de todos os jornais e media de um país não faz sentido?"
A jornalista recorda que uma das consequências da compra pelo Estado dessa participação era o fim da cobrança aos jornais pelos serviços prestados pela Lusa.
Onde está a sociedade civil?
Ao defender a criação de fundações na sociedade civil para gerir órgãos de comunicação social, Luís Marques está a manifestar confiança na resposta da sociedade portuguesa nesse sentido. Mas o antigo administrador da Impresa e da RTP alerta que não é possível evitar o aumento da tensão do jornalismo com as redes sociais e plataformas digitais não jornalísticas.
"O jornalismo, tal como o conhecemos, está a competir com outros veículos de informação não mediada, não trabalhada e não escrutinada. Esse é o grande problema. Não podemos voltar atrás, isso vai aumentar, seja no TikTok, no Facebook ou no Google. Haverá cada vez mais instrumentos, mas não vai parar. Não vale a pena. E não é por medidas administrativas que se resolve. Só se resolve com um bom jornalismo, fazendo coisas bem feitas, apelando às pessoas para escrutinar, para escolher entre o que é bem feito e o que é mau feitio e optarem pelo que é bem feito. Pagar isso é o problema. Provavelmente as subscrições não chegam e teríamos que ir buscar outras fontes de receitas, como já referido, nas fundações e outro tipo de patrocínios", afirma o atual comentador do podcast da Renascença “Crónicas da Idade Mídia”.
Por seu lado, a antiga diretora do jornal Público Bárbara Reis constata “ com grande tristeza” que o trabalho dos jornalistas e do jornalismo é desvalorizado pelo que chama de “elites” portuguesas.
“Quando digo elite, falo dos professores, dos médicos, dos académicos, de pessoas com boas reformas que desvalorizam isto que nós fazemos, que é informação rigorosa, de qualidade, livre e independente. E com erros, como é óbvio, todas as profissões os têm. E os nossos erros no jornalismo estão à vista de todos, são notados de uma forma que não há como os esconder. E ainda bem, porque é uma forma de de nos mantermos alerta e sempre a lutar pelo rigor”, admite a jornalista que assina uma newsletter semanal no Público sobre temas de jornalismo e media.
Bárbara Reis apela aos portugueses que assinem “os jornais de que gostam” para evitar a morte dos órgãos de comunicação social, sublinhando o exemplo do diário britânico “The Guardian” cuja metade das receitas terão origem nos contributos dos leitores.
O antigo diretor-geral da SIC Luís Marques lembra que sempre existiram críticas ao jornalismo. “ Voltaire dizia que o jornalismo era o flagelo da sociedade”, salienta o antigo jornalista para exemplificar que não há nada de novo nas críticas ao jornalismo.
“Sempre fomos assim. Essa incomodidade que provocamos na sociedade - que admito ser por vezes excessiva - é o grande valor do jornalismo. Temos que continuar a ser assim, o ‘flagelo da nossa sociedade’. É muito positivo que sejamos isso”, remata Luís Marques.
“Da Capa à Contracapa” é um programa da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos com edição de José Pedro Frazão, disponível em podcast em rr.pt e nas plataformas digitais.