Que a tendência é para trabalhar menos horas, ninguém tem dúvidas. Agora, a ideia de se trabalhar em Portugal apenas quatro dias por semana só é equacionada, ainda, na lógica da ficção económica.
A Renascença pediu o seguinte exercício a João Vieira Lopes, o presidente da Confederação do Comércio: como imagina Portugal, dentro de 10 anos, nesta matéria? E a resposta foi a seguinte: “O que é mais provável daqui a dez anos é que as diferenças não sejam muitas em relação ao que se passa hoje em dia quanto ao tempo de trabalho”.
E, na verdade, na concertação social, nunca até hoje alguém sugeriu os quatro dias de trabalho semanal. E isso revela bom senso, na leitura de Silva Peneda, antigo presidente do Conselho Económico e Social. “Não, não: isso nunca apareceu. Felizmente os parceiros sociais, de um lado e de outro, patrões e sindicados, têm bom senso”, explica.
É também o que pensa o sociólogo Boaventura Sousa Santos. Lá chegaremos, mas, para já, a proposta que se desenha na Finlândia não é aconselhável na atual estrutura económica portuguesa.
“Neste momento não tem estado na agenda. Não acredito. Aliás, em Portugal nós vamos ter que provavelmente acertar outras contas ainda com a Europa antes de chegarmos a esta. Penso que esta é uma proposta que vai ficar na agenda da Europa durante muito tempo. Por enquanto é feita de uma maneira pioneira. Penso que Portugal, enfim, a estrutura da economia portuguesa neste momento provavelmente não aconselha a uma solução deste tipo. E a verdade é que ela não está e não tem estado na agenda dos nossos sindicatos, por exemplo”, lembra Boaventura Sousa Santos.
Olhando para o futuro, Silva Peneda assume que se vai trabalhar menos horas. Mas apenas quatro dias por semana? Para já até na Finlândia é dificil. “Esta primeira-ministra [da Finlândia, Sanna Marin] é uma jovem. Quer, se calhar, mostrar serviço muito rapidamente. Mas a viabilidade destas propostas, no curto prazo, não penso que tenham hipótese nenhuma de poder singrar, mesmo no país dela. Julgo que no futuro, pensando a médio prazo, os horários de trabalho vão diminuir, claramente. Toda a evolução tecnológica, toda a inovação, vai conduzir inevitavelmente a uma diminuição. Mas uma medida, assim, absoluta, em alguns setores até podia ser. Noutros setores não pode ser possível ter.”
O grande entrave em Portugal é, na opinião do presidente da Confederação do Comercio, a baixa de produtividade. Vieira Lopes desvaloriza, até, alguns estudos a concluir que o pico da produtividade acontece nas primeiras três horas de cada turno. “Certamente não conheço nenhuma estatística fiável nesse sentido”, diz.
Mas já que falamos de futuro, retome-se o exercício já realizado pelo presidente da Confederação do Comércio: e o sociólogo Boaventura Sousa Santos, como vê Portugal daqui por 10 anos?
“Costumo dizer uma coisa aos meus estudantes: os sociólogos são bons a prever o passado. Prever o futuro é muito difícil. O que nós vemos é tendências seculares. As tendências seculares têm vindo a ser o aumento da produtividade do trabalho – que, a partir de 1980, não se traduziu em menor tempo de trabalho nem em melhor salário. Como é que essa produtividade pode ser gerida de uma maneira, digamos assim, progressista e de coesão social? É, realmente, fazer com que as pessoas, sem perder o seu salário, possam trabalhar menos e possam dedicar-se a outras atividades que as sociedades vão precisar de ter, atividades cada vez mais de solidariedade”, propõe Boaventura Sousa Santos.
E tudo vai depender do rumo que levar a quarta revolução industrial. A inteligencia artificial pode dispensar a necessidade de mão-de-obra humana. Em 1928, o economista britânico John Maynard Keynes previa que em 2028 (daqui a 8 anos, portanto) a semana de trabalho teria apenas 15 horas, três por dia. O erro de calculo é evidente, mas Keynes não falhou na tendência.