Os advogados das famílias dos dois recrutas que morreram na "prova zero" dos Comandos, em 2016, vão recorrer do acórdão de julgamento que nesta segunda-feira condenou três dos 19 arguidos as penas suspensas de prisão.
Ricardo Sá Fernandes, advogado da família de Hugo Abreu e do pai de Dylan da Silva afirmou, à saída do Tribunal Criminal de Lisboa, "não se conformar com esta decisão", anunciando que vai "interpor recurso" para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).
Embora não conheça ainda os termos do extenso acórdão, que só será disponibilizado na terça-feira, Ricardo Sá Fernandes avançou que considera que "as condenações são claramente insuficientes e justificam outras condenações diferentes".
Segundo o acórdão, lido pela juíza presidente Helena Pinto, o instrutor da "prova zero" dos Comandos Ricardo Rodrigues foi condenado a três anos de prisão com pena suspensa. O tribunal condenou ainda os militares Pedro Fernandes a dois anos e três meses de prisão e Lenate Inácio a dois anos, ambos com pena suspensa.
Quanto ao diretor da "prova zero", o tenente-coronel Mário Maia foi absolvido, depois de o Ministério Público (MP) ter pedido a sua condenação a uma pena de dois anos de prisão (suspensa por igual período).
O mesmo sucedeu com o médico Miguel Domingues, acusado de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, que foi absolvido quando a procuradora tinha pedido uma condenação a cinco anos de prisão, passível de ser suspensa na execução.
Segundo Ricardo Sá Fernandes, a "solução do tribunal" de julgamento de "entender que os crimes civis, não exclusivamente militares, não podiam ser aqui julgados atirou para debaixo do tapete a matéria mais importante que estava neste julgamento e que tinha a ver com as condutas que alguns destes militares tiveram e que foram determinantes na situação que levou à morte (dos recrutas) de Hugo Abreu e Dylan da Silva".
Nas suas palavras, "isso é inaceitável" e "este tribunal (de julgamento) tinha competência para apreciar essas condutas".
Confiança (mas não de todos) no recurso
Ricardo Sá Fernandes mostrou-se convicto de que o Tribunal da Relação de Lisboa vai dar razão ao recurso das famílias das vítimas, à semelhança do que aconteceu no início do processo relativamente à questão da admissão dos pedidos cíveis que a juíza não quis aceitar.
Conforme lembrou o advogado, mais tarde o Estado português veio fazer um acordo com as famílias das vítimas.
Ricardo Sá Fernandes insurgiu-se contra o entendimento do acórdão de hoje de que o tribunal criminal "não era competente para julgar matérias e crimes estritamente militares, designadamente as condutas homicidas que vitimaram Hugo Abreu e Dylan da Silva".
"Entendemos que este tribunal tinha competência para ter apreciado essas condutas", disse o advogado, reiterando a sua convicção na futura decisão da Relação, pois caso contrário gerava-se uma "situação kafkiana" de julgar a parte civil das condutas em causa num tribunal civil e a parte militar num tribunal militar.
Também Miguel Santos Pereira, advogado da mãe de Dylan da Silva (cujos pais são separados) manifestou a sua convicção de que a Relação vai anular o acórdão desta segunda-feira e, se for caso disso, mandar repetir o julgamento.
À saída do tribunal, Vítor Paulo, pai de Dylan da Silva, de lágrimas nos olhos, declarou que há muito que "não acredita na justiça" e disse não pretender recorrer por não confiar no sistema judicial, apontando situações ocorridas consigo mesmo em Ponte de Lima.
Lembrou que o sonho do seu filho era "montar um ginásio", mas que acabou por ir para os Comandos e que sempre que regressava a casa aos fins-de-semana descrevia situações como "pontapés nas costas" e "estalos" nos instruendos, mas não pode agora provar tais factos.
Nas alegações finais do julgamento, em 07 de maio de 2021, a procuradora Isabel Lima pediu a condenação de cinco dos 19 arguidos a penas de prisão entre dois e 10 anos. Nesta segunda-feira, manifestou intenção de recorrer e pediu um prazo de 60 dias para o fazer devido à excecional complexidade do processo.
Oito oficiais, oito sargentos e três praças, todos dos Comandos, a maioria instrutores, foram acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física. Segundo a acusação, os arguidos atuaram com "manifesto desprezo pelas consequências gravosas que provocaram nos ofendidos".