O Tribunal de Contas destacou esta terça-feira alguns riscos para a sustentabilidade das contas na Madeira, como o elevado nível de dívida pública, sugerindo ao novo Governo maior transparência, eficácia e controlo na execução das políticas públicas regionais.
Essas recomendações surgem num relatório que pretende “fornecer à Assembleia Legislativa da Madeira e ao Governo Regional, no início da nova legislatura, um instrumento de apoio no sentido da boa governação dos recursos públicos, assim constituindo um passo para o Tribunal de Contas [TdC] promover a prestação de contas, a qualidade e a responsabilidade nas finanças públicas”, esclareceu o TdC.
O Tribunal de Contas destacou também que “o desempenho público não pode prescindir de um sistema de controlo interno integrado e forte, com grau de autonomia elevado, que permita assegurar o cumprimento e a efetivação das políticas públicas de forma eficaz e transparente”.
O TdC realçou que o reporte orçamental e financeiro da Região Autónoma da Madeira (RAM) “regista uma evolução positiva ao longo dos anos”, mas salientou também situações “que reiteradamente têm sido alvo de recomendações” pela Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas (SRMTC) devido aos riscos que representam para as contas públicas madeirenses, numa altura em que está em curso a reforma das finanças públicas regionais e a sua harmonização com a Lei das Finanças das Regiões Autónomas e com a Lei de Enquadramento Orçamental (do Estado).
Dívida pública elevada
Desde logo, o Tribunal sublinhou “o elevado nível” da dívida pública regional, que “constitui um risco significativo para a sustentabilidade das finanças públicas”, e realçou que “a equidade intergeracional deve ser acautelada”, o que implica incorporar no reporte financeiro público informações completas sobre “o impacto dos apoios às empresas e às famílias sob a forma de garantias públicas, injeções de capital, empréstimos, aquisições de ativos ou assunções de dívida”, assim como a ligação entre a execução orçamental do ano, a concretização do Plano de Recuperação e Resiliência e os progressos em termos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030.
Por outro lado, reforçou a necessidade de cumprimento das regras do equilíbrio orçamental previstas na lei de enquadramento do orçamento da RAM e na Lei das Finanças das Regiões Autónomas assim que a sua aplicação deixe de estar suspensa devido aos efeitos da pandemia.
O TdC salientou ainda a necessidade de reforço da qualidade dos instrumentos orçamentais, com a implementação da orçamentação por programas e a programação orçamental de médio prazo, já que a estratégia de política orçamental dos próximos anos irá previsivelmente conceder apoios públicos de elevado montante e, desta forma, será possível obter “uma exata perceção dos passivos e das responsabilidades contingentes no quadro da governação”.
Uma das áreas onde se observam ineficiências, segundo o TdC, refere-se à arrecadação de receitas e recuperação de créditos, não só por parte do setor das Administrações Públicas, como também do setor público empresarial da RAM.
No relatório, o TdC considerou necessário concretizar a inventariação e a adequada valorização dos bens imóveis da RAM e que seja disponibilizada informação completa sobre o património financeiro e imobiliário, incluindo o do setor público empresarial.
No que se refere à Conta da RAM, o Tribunal considera necessária a adoção de medidas de prudência tendo em conta “a reduzida eficácia dos processos de recuperação de créditos da RAM por execução de avales” (garantias).
Um mau exemplo é o Instituto de Segurança Social da Madeira (ISSM), destacando o TdC “a falta de fiabilidade e veracidade das demonstrações financeiras”, a que está obrigado, e que “não permitiu aferir de forma adequada” a situação económico-financeira deste instituto nos anos de 2019, 2020 e 2021.
Regime de autonomia deve ser avaliado
O TdC defendeu que o regime de autonomia administrativa e financeira de alguns Serviços e Fundos Autónomos deverá ser avaliado e salientou que em auditorias foram identificados riscos de insustentabilidade de investimentos públicos e falhas nas concessões de serviços públicos.
Sugeriu ao Governo Regional que pondere sobre a viabilidade económico-financeira da empresa Madeira Parques Empresariais e instou o Executivo a iniciar “ações concretas e globais” para defender o investimento público realizado na EEM-Biotecnologia, que acumula um prejuízo significativo desde o início do projeto de produção de biopetróleo/biomassa a partir do cultivo de algas marinhas.
Realçou ainda que tem vindo a recomendar o aperfeiçoamento da prestação de contas pela Assembleia Legislativa da Madeira, assim como a aprovação formal das normas de controlo interno dos diversos departamentos e da regulamentação da utilização das suas cafetarias.
Segundo os resultados oficiais provisórios divulgados pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (que terão ainda de ser sujeitos a uma assembleia de apuramento geral e publicados em Diário da República), a coligação PSD/CDS-PP conseguiu no domingo 23 deputados na Assembleia Legislativa da Madeira, ficando a um deputado da maioria absoluta no parlamento regional, que tem um total de 47 parlamentares.
O líder do PSD/Madeira e presidente do Governo Regional desde 2015, Miguel Albuquerque, garantiu estar em condições de apresentar nos próximos dias um governo de maioria parlamentar.
Mantêm-se no parlamento o PS, o JPP e o PCP, regressam o PAN e o BE e estreiam-se no hemiciclo madeirense o Chega e a Iniciativa Liberal.
TdC pede cumprimento de regras
O Tribunal de Contas alerta o futuro Governo madeirense para a necessidade de cumprir as regras do regime de contratação pública, destacando que foram detetadas na Região Autónoma diversas falhas, nomeadamente durante o regime excecional criado na pandemia.
No relatório, o TdC realçou que, através das auditorias realizadas e da fiscalização prévia aos contratos adjudicados na RAM, “foram identificadas falhas que importa corrigir”, tendo a Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas (SRMTC) recusado a concessão de visto prévio a diversos contratos adjudicados no quadriénio de 2019 a 2023, “com base em ilegalidades ao regime da contratação pública”.
Destacou também que o regime extraordinário da contratação pública estabelecido no âmbito do combate à covid-19 “acarretou riscos para a gestão dos dinheiros públicos através do recurso sistemático a procedimentos menos concorrenciais e de falhas na fundamentação para o recurso ao procedimento menos concorrencial e escolha dos respetivos fornecedores”.
Segundo o TdC, a contratação ao abrigo daquele regime excecional “evidenciou falhas passíveis de colocar em risco” a “sã e leal concorrência para a prossecução dos interesses públicos”, a igualdade de tratamento de todos os operadores económicos e a transparência e a imparcialidade para a prossecução dos interesses públicos.
“Verificaram-se ainda situações de pagamento de valores em adiantamento, aumentando o risco de fornecimentos deficientes ou de serem realizados pagamentos sem contrapartida adequada”, afirmou, enumerando que foram detetadas falhas “nos controlos básicos” para impedir eventuais desvios de bens, a adequada e atempada avaliação de necessidades, a monitorização dos fornecimentos e confirmação atempada da entrega dos bens e a verificação cruzada dos documentos de despesa.
No documento, o TdC volta a recomendar “o cumprimento por parte das entidades adjudicantes das regras da contratação pública, aplicando a disciplina do CCP (Código de Contratação Pública), especificamente quanto à formulação de exigências no caderno de encargos, devendo optar por concursos limitados por prévia qualificação quando, perante as necessidades a satisfazer, se considere necessário impor requisitos mínimos de aferição da capacidade técnica dos agentes económicos atuantes no mercado”.
Entre outras recomendações, o TdC apela para que sejam realizadas todas as publicitações obrigatórias e o correto preenchimento no portal dos contratos públicos, além da obrigatoriedade de verificação de inexistência de conflitos de interesses, a promoção de um amplo acesso aos operadores económicos, o cumprimento de critérios fixados no CCP para a adjudicação a entidades e o cumprimento dos limites do prazo de vigência dos contratos, tendo em vista acautelar as regras legais e a salvaguardar o interesse público.
O TdC insta também o futuro governo madeirense a promover uma “adequada gestão dos contratos celebrados” e a garantir “uma efetiva fiscalização da sua execução, nomeadamente das obras adjudicadas em conformidade com os correspondentes projetos”.
Alerta ainda que o lançamento de obras públicas deve ser articulado com “efetiva disponibilidade de tesouraria, de molde a serem observados os prazos e os planos de pagamentos contratualizados” e que as aquisições de equipamento informático devem ter autorização prévia do membro do Governo Regional responsável pela área das Finanças, “quando esteja em causa a assunção de encargos plurianuais, e ao parecer técnico prévio” do organismo competente.
Falta fiscalização de apoios da SS
O Tribunal de Contas volta também a advertir para “muitas insuficiências e fragilidades” na fiscalização dos apoios concedidos pela Segurança Social na Madeira, num relatório que pretende alertar o futuro Governo para a situação das contas na Região Autónoma.
No mesmo documento, o TdC destacou que a demora dos processos de fiscalização aumenta o risco de incobrabilidade dos créditos no caso das empresas que receberam apoios da Segurança Social madeirense aquando do mecanismo extraordinário para manutenção de postos de trabalho durante a pandemia, mas também alertou que existe um insuficiente controlo nos apoios atribuídos às Instituições Particulares de Segurança Social (IPSS) na região.
A entidade que fiscaliza as contas públicas destacou a adoção pela RAM, em 2020, de um programa de apoio extraordinário à manutenção de contratos de trabalho (lay-off simplificado) em empresas em situação de crise por causa da pandemia, cuja aplicação ficou sob a alçada Instituto de Segurança Social da Madeira (ISSM).
Em 2020, empresas em situação de crise (na sequência da covid-19) foram apoiadas num total aproximado de 28,5 milhões de euros, atribuídos sobretudo entre março e julho daquele ano, com o objetivo da manutenção de postos de trabalho.
Os pagamentos às entidades empregadoras totalizaram 28,3 milhões de euros, 99,5% dos valores processados em 2020, e foram em média realizados passados 37 dias.
No entanto, as ações de fiscalização do ISSM até 17 de março de 2022 apenas tinham incidido “sobre cerca de 2% das 3.027 entidades empregadoras que beneficiaram da medida lay-off simplificado, envolvendo apoios no montante de 2,3 milhões de euros”, descreveu o TdC.
O Tribunal exemplificou que uma amostra de oito processos revelou que o ISSM “demorou, em média, 625,8 dias para concluir um processo de fiscalização” e realçou que a morosidade “potencia os riscos de incobrabilidade dos créditos assim determinados, seja por questões de solvabilidade dos devedores, seja pelo decurso dos prazos prescricionais”.
A entidade lembrou que já recomendou ao ISSM o aperfeiçoamento dos procedimentos de controlo interno e “a articulação entre os serviços envolvidos na fiscalização e a recuperação das prestações indevidamente auferidas pelos beneficiários do lay-off simplificado”, para “minimizar os riscos de irrecuperabilidade desses montantes, designadamente através da instauração de procedimentos de cobrança coerciva”.
Segundo o TdC, entre 2016 e 2018, o ISSM concedeu apoios financeiros a Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) e entidades similares que ascenderam a cerca de 65 milhões de euros, destinados, anualmente, a uma média de 64 entidades, que os aplicaram maioritariamente no apoio às pessoas idosas (cerca de 62% dos apoios).
Mas também neste setor foram detetadas “insuficiências no sistema de controlo interno associado aos apoios concedidos”, que o TdC concluiu “ser pouco fiável”.
Entre os problemas detetados, o TdC destacou a insuficiência do controlo financeiro à execução dos acordos de cooperação com as IPSS, insuficiência dos controlos da qualidade dos serviços prestados e da idoneidade das instituições responsáveis pela execução dos acordos e ainda ausência de ações inspetivas proativas, uma vez que “toda a fiscalização realizada entre 2016 e 2018 teve origem em denúncias”.
É destacado que cerca de 39,7% das instituições subsidiadas pelo ISSM não publicitaram as suas contas com regularidade, como é obrigatório, e continuaram a beneficiar de apoios públicos.
O TdC relembrou que a sua secção na Madeira já recomendou ao ISSM que assegure melhorias do controlo de execução dos acordos celebrados para apoios às IPSS, a aprovação de um plano de fiscalização/auditoria proativa e a aplicação criteriosa dos apoios.
Também que, antes da renovação dos acordos, seja avaliada a cooperação e os valores contratualizados entre o Estado e a IPSS, assim como o desempenho da entidade, para a eventual “necessidade de corrigir excedentes sistemáticos de financiamento e de ser promovida a devolução das importâncias sobrantes”.
No relatório, o TdC realçou ainda que, numa auditoria de 2019, foram detetadas falhas no processo de contratação de serviços médicos pela administração pública, pelo que sugeriu a implementação de mecanismos de controlo da produtividade, da assiduidade de todos os profissionais de saúde, nomeadamente através de sistemas de registo biométrico, e o cumprimento na Região Autónoma da legislação sobre trabalho suplementar e das tabelas remuneratórias.