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Cinco candidatos foram afastados do 127.º curso de Comandos, que terminou na sexta-feira, por problemas graves de saúde. A Renascença teve acesso aos processos de exclusão. Alguns militares apresentavam manifestações de doenças graves, anteriores ao início do curso.
Um dos candidatos sofre de síndrome de Gilbert, uma doença hepática crónica, de origem genética. Outro tem uma doença cardíaca, também genética, e antecedentes de epilepsia. Um terceiro instruendo do 127.º Curso de Comandos tem um tumor ósseo na bacia, visível, segundo o relato dos processos de exclusão a que tivemos acesso, “à vista desarmada”. No quarto caso, o candidato a comando tem duas hérnias discais e o quinto candidato uma dismetria dos membros inferiores.
Os cinco elementos foram excluídos do curso já depois das mortes de Hugo Abreu e Dylan Silva terem ocorrido e fazem parte de um conjunto de 16 candidatos que foram afastados do curso por motivos de saúde, tendo regressado às suas unidades de origem.
Na sequência desta investigação, a Renascença contactou um dos militares a quem foi detectada uma patologia grave. O militar em causa confirmou a sua situação de saúde, mas recusou esclarecer se já tinha conhecimento do problema de saúde antes de ser admitido no curso de Comandos.
Patologias "exacerbadas pelo esforço físico"
A Renascença contactou o porta-voz do Exército para apurar se as patologias que estes cinco instruendos manifestaram não tinham sido detectadas antes do início do curso.
Na resposta, o tenente-coronel Vicente Pereira esclarece que os militares que se candidatam ao curso de Comandos apresentam “níveis de ambição elevados e com alguma frequência escondem manifestações de doença para não serem excluídos”.
Por isso, “a identificação de patologia torna-se mais difícil e o Exército tem trabalhado, com parceiros cientificamente reconhecidos, na identificação de processos que permitam antecipar este tipo de situações”.
Para cada um dos casos apontados pela Renascença, o porta-voz apresentou uma possível explicação para o facto de a patologia não ter sido detectada.
No caso da doença hepática crónica, refere que em algumas situações pode ser detectada apenas por “exames específicos” e que o “esforço físico provocou exacerbação dos sinais e sintomas e levou ao diagnóstico. São doentes que estão normais no dia-a-dia, mas que descompensam com o esforço físico intenso”.
Sobre o caso do instruendo que apresentou uma situação de doença cardíaca e epilepsia, a resposta do Exército foi que “a doença cardíaca pode não ser detectável nos exames de rotina e ser assintomática em repouso. A epilepsia é uma disfunção neurológica que se pode manifestar espontaneamente ou em períodos de stress físico ou psíquico”. Perante estas duas situações, o tenente-coronel Vicente Pereira refere que “é natural que o diagnóstico seja apenas possível após uma crise e o habitual é o doente epiléptico esconder a sua patologia por estigma social”.
No caso da hérnia na coluna, a resposta do Exército refere que, “não havendo queixas do doente, é mais difícil diagnosticar e pode ser escondida a patologia, por isso escapa na selecção. (…) Pode ter surgido de novo em função de um esforço físico desencadeado numa zona mais fraca que, entretanto, herniou”.
Em relação à situação de um instruendo apresentar um tumor ósseo da bacia, o Exército, através do seu porta-voz, afirma que se trata de “uma patologia rara nestas idades” e que o esforço físico pode ter desencadeado sintomas como dor que permitiu o diagnóstico”.
Sobre o último caso, a dissimetria dos membros inferiores, o tenente-coronel Vicente Pereira refere à Renascença que “pode ser uma situação genética imperceptível na avaliação de um candidato e ser detectada apenas quando provoca uma lesão musculo-tendinosa durante o esforço físico”.
Métodos de triagem em análise
O Exército reconhece que está em estudo a alteração dos métodos de triagem no futuro: “Relativamente à metodologia a seguir no futuro, o Exército aguardará pelos resultados da Inspecção Técnica Extraordinária que está a decorrer pela Inspecção Geral do Exército, no âmbito da qual esta área também está a ser considerada.”
O 127.º dos Comandos ficou marcado pela morte de dois instruendos, Hugo Abreu e Dylan Silva, na sequência do treino, no dia 4 de Setembro. Em consequência foram constituídos sete arguidos, que aguardam o desenrolar do processo em liberdade com a medida de coacção de termo de identidade e residência (TIR).
Depois do sucedido, o curso prosseguiu, mas apenas 23 dos 67 candidatos chegaram ao fim. Pelo caminho ficaram 44 candidatos, 16 dos quais saíram por motivos de saúde.
Na sexta-feira, a juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, que ouviu os sete arguidos, considerou que não terão agido motivados "por raiva e ódio irracional, motivações que são claramente subjectivas e não resultam da prova produzida até à data no inquérito”.