No final do seu trabalho, o Ministério Público (MP) deduziu acusação contra 23 arguidos: nove por terem estado ligados ao planeamento e realização do furto das armas do Paiol Nacional de Tancos, em 28 de junho de 2017, e os outros 14 por terem participado na encenação que levou à recuperação das armas, dia 18 de outubro do mesmo ano.
No primeiro grupo estão, basicamente, os homens que executaram o furto, a maior parte deles relacionados também com o tráfico de droga e de armas. Entre outros crimes, estão acusados de terrorismo e associação criminosa.
Os restantes 14 arguidos são todos os que participaram na mediática recuperação das armas, e essa lista é encabeçada por Azeredo Lopes – à data dos factos ministro da Defesa - cinco elementos da Polícia Judiciária Militar (PJM) – com destaque para o seu diretor-geral Luís Vieira – um técnico do Laboratório da mesma polícia e seis militares da GNR, entre os quais dois coronéis e um tenente-coronel.
Estes 14 arguidos estão acusados dos crimes de favorecimento pessoal, denegação da justiça, prevaricação e os militares também de falsificação de documento, tráfico e medição de armas, e associação criminosa.
Nesta síntese de acusações, o Ministério Público requereu que todos os ex-elementos da Polícia Judiciária Militar, da GNR, bem como o ex-ministro Azeredo Lopes fiquem proibídos do exercício de funções públicas.
Azeredo Lopes omitiu e prevaricou, diz Ministério Público
Azeredo Lopes, que se demitiu de ministro da Defesa na sequência do escândalo em torno da recuperação das armas, está acusado de quatro crimes: denegação da justiça, prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário e abuso de poder.
De todos, e caso algum seja provado em julgamento, o mais complicado pode ser o de prevaricação, que tem uma moldura penal que pode chegar aos oito anos de prisão.
Mais do que a tipificação de crimes que lhe são imputados, é no texto da acusação, e nos anexos, que estão as partes mais complicadas para o ex-ministro.
O Ministério Público classifica estes crimes de extrema gravidade, dizendo que Azeredo Lopes desrespeitou deveres funcionais como a isenção, imparcialidade, zelo e lealdade.
Diz também que o elevado grau de culpa colide com os fins institucionais de cargos públicos, que houve um verdadeiro pacto de silêncio entre Azeredo Lopes e os arguidos da GNR e da PJ Militar para que fossem criados sérios obstáculos à descoberta da verdade material e que o ex-ministro omitiu factos que podiam levar à descoberta do armamento e à responsabilização dos autores do furto.
No despacho de acusação pode ler-se que o ex-ministro exerceu os poderes que tinha, sabendo que estava a beneficiar e proteger os autores de práticas de crimes e que o fez para que o mérito fosse atribuído à Polícia Judiciária Militar.
Ainda sobre Azeredo Lopes, de entre todos os dados que acompanham a acusação, há uma troca de SMS entre o então ministro e um deputado do PS, no caso Tiago Barbosa Ribeiro.
O parlamentar começa por dar os parabéns ao ministro pela recuperação das armas, e este, na resposta, escreveu: “eu sabia, mas tive que aguentar calado a porrada que levei. Mas, como é claro, não sabia que ia ser hoje”. Diz ainda que irá ao Parlamento explicar, mas que não poderá dizer o que lhe está a contar.
Depois de ter sido conhecida a acusação, Azeredo Lopes anunciou que vai pedir a instrução do processo e fala numa acusação política.
Ex-chefe da Casa Militar da Presidência escapa a acusação, mas vai ser investigado
O ex-chefe da Casa Militar da Presidência da República João Cordeiro é uma das figuras centrais deste caso, porque é a ligação mais direta que pode ser encontrada ao Presidente da República.
Não está acusado, não faz parte da lista dos 23 arguidos, mas o Ministério Público diz não ter dúvidas de que o tenente-general João Cordeiro foi sendo informado daquilo que a Polícia Judiciária Militar foi fazendo neste caso: logo após o furto e já depois da recuperação das armas.
A convicção do Ministério Público assenta em dois pressupostos: os emails, SMS e telefonemas que o ex-chefe da Casa Militar da Presidência trocou com o então director da PJM, mas também duas escutas telefónicas que o envolvem.
Dia 1 de abril deste ano, o ex-porta-voz da PJ Militar e também arguido Vasco Brazão disse, em conversa telefónica com o pai, que tinha provas concretas – nomeadamente um email – de que a Casa Militar da Presidência foi informada de tudo.
Quatro dias depois, a 5 de bril, num telefonema para a irmã, Vasco Brazão disse a já célebre frase de que o “Papagaio-Mor do reino” não deverá falar sobre o assunto.
Nesse telefonema, Vasco Brazão disse também que o seu advogado já tinha avisado a Presidência de que existem provas e que no julgamento tudo se irá saber.
Apesar dos indícios, o ex-chefe da Casa Militar da Presidência da República João Cordeiro não está acusado porque o crime em que poderia incorrer - de abuso de poder - tem uma moldura penal até aos três anos, e para esse tipo de crimes as escutas telefónicas não têm validade como prova. Ou seja, não podendo sustentar a acusação, o DCIAP preferiu não acusar.
Mas, ainda assim, os procuradores decidiram extrair uma certidão deste processo e abrir uma investigação autónoma ao facto de o ex-chefe da Casa Militar da Presidência da República ter negado a existência dos referidos emails trocados com a PJ Militar.
Nesse caso, o crime em causa é o de falsidade de testemunho.