Covid-19. Carta aberta de especialistas pede reabertura de creches e escolas já em março
23-02-2021 - 08:05
 • Marta Grosso com redação

Epidemiologistas, psiquiatras, pediatras, professores e pais juntam-se no pedido ao Governo para que reabra as escolas, mediante o cumprimento de uma série de regras, incluindo o uso de máscaras a partir dos 6 anos.

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Pedro Simas, Henrique Barros e Pedro Pitta Barros são alguns dos especialistas que, na carta aberta publicada nesta terça-feira por dois jornais, dizem ser possível conciliar o controlo da pandemia com aulas presenciais, nas escolas.

Prioridade à escola” é como se chama a missiva – que também é uma petição – que pede a reabertura das escolas, creches e pré-escolar já em março, subscrita por uma centena de personalidades e dirigida ao Governo e ao Presidente da República.

Na carta aberta, publicada pelos jornais “Expresso” e “Público”, os especialistas de diferentes áreas (saúde, ciência, ensino superior e educação) alegam que a escola é um “bem essencial”.

“É possível manter a pandemia sob controlo mantendo as escolas abertas, desde que com as devidas precauções”, lê-se na missiva, onde os subscritores defendem a urgência, “para o presente e para o futuro do país, adotar medidas, com base na ciência e nos dados, capazes de proteger a escola como um bem essencial”.

“Argumentamos que a escolha entre a vida dos mais velhos e a educação das crianças e jovens é um falso dilema e que é possível conciliar os direitos à saúde e à educação”, dizem ainda, enumerando 10 razões para sustentar a sua posição.

À Renascença, o virologista Pedro Simas explica que “confinar as escolas tem um impacto muito grande na sociedade” e, como neste momento os indicadores epidemiológicos indicam um “número bastante baixo de novas infeções, estamos muito perto de poder começar a desconfinar”.

Na opinião deste especialista, Portugal viveu “uma terceira vaga catastrófica”, mas a “adesão dos portugueses às regras do confinamento foi excecional”, pelo que se conseguiu interromper “a transmissão do vírus de pessoa para pessoa”.

Agora, é tempo de começar a desconfinar, mas com regras. “A carta é muito específica: temos de respeitar as regras de distanciamento, temos de dar as máscaras, temos de colaborar com as autoridades no que diz respeito aos inquéritos epidemiológicos, temos de cumprir as quarentenas, temos de ser apoiados em tudo isto pelo Estado em termos de testagem e em termos depois de vacinação”, defende.

Outro signatário da carta/petição é Filinto Lima, presidente Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas. No seu entender, o processo de reabertura das escolas deve ser gradual, a começar já em março.

“Temos de começar pelas creches, pelo pré-escolar, pelo 1.º ciclo e depois ir subindo pelos níveis de ensino até chegarmos aos mais velhos”, diz à Renascença.

10 razões para reabrir as escolas

“1 - O sucesso de uma política não se mede apenas contando o número de infecções hoje, mas levando em consideração muitos outros fatores socioeconómicos e psicológicos, mas também consequências de saúde, física e mental, no presente e no futuro.

2 - Nas escolas são aplicados rígidos protocolos sanitários, que garantem o uso correto dos dispositivos de segurança individuais durante grande parte do dia e que evitam a formação de agrupamentos nesses espaços (ao contrário do que acontecia nas famílias, por exemplo). A aprendizagem dos gestos de proteção na escola promove a aplicação de medidas preventivas na comunidade e é bem conhecido o papel relevante das crianças nesse processo de disseminação às famílias de atitudes promotoras de saúde.

3 - Durante o primeiro período, as medidas sanitárias nas escolas impediriam numerosos casos e 'clusters' (só houve 800 turmas que tiveram que fechar em todo o país neste período). No mês de fevereiro, nas 700 escolas que estão em funcionamento para acolher os filhos dos profissionais essenciais, só 25 casos positivos resultaram dos 13 mil testes realizados. Estes dados demonstram que é possível manter a pandemia sob controlo mantendo as escolas abertas, desde que com as devidas precauções.

4 - A evidência empírica mostra que o encerramento de escolas se associa a uma diminuição dos casos na população e assim facilita o controlo da epidemia, mas não é indispensável para controlar a epidemia, sendo possível fazê-lo mantendo as escolas abertas, com as devidas precauções. Um largo conjunto de investigações mostrou que as escolas não são contextos relevantes de infeção e, durante o primeiro período, as medidas sanitárias em vigor nas escolas provaram que o curso da epidemia foi independente das escolas estarem abertas.

5 - Não estão optimizadas ferramentas que poderiam contribuir para controlar a epidemia de maneira igualmente ou até mais eficaz do que fechando as escolas. Por exemplo, em Portugal há cinco vezes menos rastreadores de contacto por habitante do que na Alemanha.

6 - Estudos em vários países, e a experiência clínica de alguns dos signatários desta carta, mostraram o aumento de problemas psicológicos e psiquiátricos das crianças e jovens associados ao confinamento e ao fecho das escolas (depressão, ansiedade, perturbação alimentar, auto-lesões etc.).

7 - Décadas de pesquisas em psicologia do desenvolvimento relataram como a educação pré-escolar e a escola permitem melhorias cognitivas, mas também motoras, sociais e emocionais (mais motivação académica, menos agressividade, menor prevalência de comportamentos de risco e de dependência). Como tal, as escolas são fundamentais para o desenvolvimento harmonioso, o desempenho académico, a participação no mercado de trabalho e a cidadania responsável.

8 - O ensino à distância é menos eficaz do que o ensino presencial e tem sido um multiplicador de desigualdades de todos os tipos, não apenas educacionais, penalizando os mais vulneráveis: alunos com menos de 15 anos, em risco de insucesso escolar, com menos meios, com pais menos escolarizados, com deficiência, com necessidades educativas especiais, de origem estrangeira e vítimas de privações e violência no contexto familiar e social. O atraso na aquisição de aprendizagens pode levar à reversão do avanço das últimas décadas na diminuição da desigualdade social e no abandono escolar precoce.

9 - O encerramento de escolas em Portugal durante o ano de 2020 foi dos mais longos da União Europeia, nomeadamente no ensino básico, o que comprometeu o direito à educação de crianças e jovens, bem como o direito à infância, entendido em sentido lato, como o direito às relações e à convivência com os pares.

10 - Portugal é um dos países da União Europeia com menos condições para ensino a distância, devido ao baixo nível de qualificações dos pais (apenas um em cada quatro no ensino público até ao 9º ano frequentou o ensino superior), às condições de privação material em que vivem muitas famílias com crianças, sofrendo de pobreza energética e habitacional, mas também à cobertura desigual da rede de 4G e de fibra. Mais de um quarto das crianças até aos 12 anos vive em casas com problemas de humidade e infiltrações, 16% em alojamentos sobrelotados, 13% em casas não adequadamente aquecidas. Há 9% das crianças abaixo dos 12 anos cujas famílias não têm capacidade financeira para oferecer uma alimentação saudável. A privação material das crianças é superior em certas áreas do país, como as regiões autónomas ou o Algarve.”

Máscaras a partir dos 6 anos

A reabertura das escolas deve ser feita mediante uma série de regras, entre as quais:

  • máscara obrigatória a partir dos seis anos
  • proibição de reuniões fora da escola
  • rastreios e vacinação de professores e funcionários.

Mas há mais. Os mais de 50 signatários pedem o reforço as medidas já em vigor, o incentivo de meios de transporte alternativos aos públicos (como bicicletas) e reforçar, ou criar, um espaço específico em cada escola ou agrupamento de escolas para aplicar testes rápidos e iniciar, se necessário, os procedimentos de isolamento.

A reabertura dos estabelecimentos de ensino deve iniciar-se pelas creches, pré-escolar e 1.º e 2.º ciclos do ensino básico.

“Apresentámos uma sugestão em que o regresso deveria começar pelo 1.º e 2.º ano do primeiro ciclo, depois da pré-primária ou em simultâneo”, diz à Renascença o dirigente da Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap).

Jorge Ascensão lembra que as crianças que entraram para o 1.º ano “ainda estavam a adaptar-se à escola e esta interrupção pode ter efeitos nefastos incalculáveis no futuro”.

“Portanto, o próprio regresso do primeiro ciclo poderá ser faseado – é uma questão que tem de se ir avaliando semana a semana ou de 15 em 15 dias, conforme a situação também for evoluindo”, defende este signatário.

No passado fim de semana, a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, admitiu que o processo de desconfinamento começará pelas escolas.

“Não é por acaso que se procurou evitar o encerramento de escolas até ao limite do possível e que o Governo também já disse que é precisamente pelas escolas que recomeçará o desconfinamento”, afirmou no encerramento de um fórum promovido pela Juventude Socialista.

Contudo, na segunda-feira à noite, a ministra da Saúde deu a entender que o desconfinamento não deverá acontecer já.

“Este ainda não é o momento para falar de tempos nem de falar de modos” de desconfinar, disse aos jornalistas, depois de ser questionado sobre a possibilidade de início da reabertura em meados de março.

Marta Temido afirmou que as restrições em vigor são essenciais para continuar a reduzir o número de internamentos em cuidados intensivos, mortes e novos casos de Covid-19.


[Notícia atualizada às 11h40 com declarações de Pedro Simas, Filinto Lima e Jorge Ascensão à Renascença e ainda com a indicação da petição]