Falta apoio do Governo às famílias cuidadoras de pessoas com doença de Alzheimer. Quem o diz é a presidente da Alzheimer Portugal, Rosário Zincke dos Reis.
No dia em que se assinala o Dia Mundial da Doença de Alzheimer, a dirigente associativa diz à Renascença que os familiares cuidadores informais estão a suportar a maiorparte das despesas dos cuidados aos doentes.
"Quem paga a grande fatura pela prestação de cuidados são as famílias e não o Estado. Quanto mais atrofiadas estiverem as famílias, mais facilmente se estrangula a economia e, com isso, se compromete a sociedade e os apoios [aos doentes]", defende.
Zincke dos Reis lamenta que a doença ainda não seja uma prioridade num país cada vez mais envelhecido.
"A doença de Alzheimer ainda não foi considerada uma prioridade no nosso país. Tem havido algumas tentativas para encontrar algumas medidas específicas para estas pessoas, políticas específicas para elas, mas a verdade é que têm sido dados muito poucos passos e, sistematicamente, existem recuos", diz.
Estatégia tem cinco anos, coordenador demitiu-se há oito meses
O Ministério da Saúde anunciou, em 2018, a criação de uma Estratégia da Saúde na Área das Demências (ESAD) com o objetivo de apresentar "propostas para uma estratégia que enquadre os cuidados de saúde a prestar às pessoas com demência - independentemente do tipo e respetivo estádio -, bem como às suas famílias e cuidadores informais", como consta na publicação em Diário da República.
Passados cinco anos da aprovação desta estratégia, Rosário Zincke dos Reis admite que o plano que a Alzheimer Portugal congratulara aquando a sua apresentação praticamente não avançou. "Podemos dizer que, neste momento, está praticamente parada, porque tínhamos um coordenador que se demitiu há cerca de um ano. Desde aí praticamente nada acontece", lamenta.
O psiquiatra e professor catedrático, António Leuschner, foi designado coordenador da ESAD em 2018, em representação do Conselho Nacional da Saúde Mental. Em janeiro de 2023 apresentou a sua demissão - os motivos não são públicos - e, desde então, o Governo não designou um novo coordenador.
Desde então, a Alzheimer Portugal tem confrontado o Governo com a ausência de resultados face à estratégia apresentada. Foram enviadas duas cartas ao ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que estão, até hoje, sem resposta. A primeira em abril, a dar nota de que "desde fevereiro" que a associação não recebia "nenhuma comunicação no sentido de dar continuidade aos trabalhos iniciados" e a dar nota de que as medidas previstas na ESAD não estavam a avançar.
Para Rosário Zincke dos Reis, a situação agrava-se para os doentes com Alzheimer e para as suas famílias.
"Isto tem sido muito difícil. Continuam a existir muitas ideias erradas, muitas perceções erradas sobre o que é a demência e uma dificuldade enorme da sociedade em geral em perceber que estas pessoas ainda têm muito para dar, podem e devem ter um papel ativo na sociedade e que não são mais que pessoas com as suas características, com a sua individualidade própria."
Portugal não tem dados estatísticos oficiais sobre a prevalência do Alzheimer. Segundo a OCDE, Portugal é o 4.º país da UE com mais doentes de Alzheimer por cada mil habitantes. Em 20 anos, prevê-se que salte para o 3.º posto de prevalência da doença. Estima-se que existam, atualmente, 205 mil pessoas com doença de Alzheimer em Portugal, prevendo-se que, em 2050, os casos atinjam as 350 mil pessoas. É quase o mesmo valor que toda a população de Sintra - o segundo município mais populoso de Portugal.
A presidente da Alzheimer Portugal está preocupada.
Rosário Zincke dos Reis insiste que o Governo tem "de definir estratégias". "E estratégias, não só de curto, mas de médio e longo prazo", diz sugerindo que as medidas adotadas desde a aprovação da ESAD são apenas "pensos rápidos".
A também advogada alerta que "as demências precisam mesmo de uma estratégia de longo prazo e que as políticas se articulem bem, umas com as outras".
E acrescenta. "É importante que o poder de compra das famílias - nomeadamente, os pensionistas -, aumente. Porque os cuidados de qualidade são caros, não tenhamos ilusões".
"Temos de apostar numa melhor qualidade e numa melhor resposta do SNS, das respostas de saúde e respostas sociais que existem na comunidade. Mas aquilo que a realidade nos diz é que a esmagadora maioria dos cuidados são prestados em casa pelos familiares", remata.