O Grupo VITA registou um aumento de pedidos de ajuda por parte de vítimas de abusos sexuais após o Papa se ter encontrado com algumas vítimas, afirmou a psiquiatra Rute Agulhas, considerando que essa reunião está a “transmitir coragem”.
"Temos notado um aumento do número de chamadas, fruto também de uma maior consciencialização para pedir ajuda e quebrar o silêncio, fruto dos apelos do Papa Francisco para que se quebrem os silêncios", disse à Renascença Rute Agulhas, coordenadora do Grupo VITA.
Este grupo foi criado em abril pela Conferência Episcopal Portuguesa e visa acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica. A coordenadora indica que o trabalho significa, muitas vezes, "atender o telemóvel fora de horas".
À Agência Lusa, a psiquiatra afirmou que a vinda do Papa Francisco a Portugal, esta semana para a Jornada Mundial da Juventude, e o facto de estar a falar sobre os abusos sexuais na Igreja de uma forma “tão clara e tão incisiva, está a transmitir coragem para que outras vítimas façam o seu pedido de ajuda e a sua denúncia”.
“Há pessoas que nos têm vindo a contactar ao longo desta semana que nos dizem: ‘senti-me cheio de força porque ouvi o Papa a dizer isto, a falar no tema, ganhei coragem ao ouvi-lo’. Tem sido um movimento muito interessante e muito importante de libertação e de quebrar este silêncio”, observou.
Rute Agulhas, que esteve presente no encontro com o Papa Francisco, esta quarta-feira em Lisboa, considerou que essa reunião “foi muito importante” para as 13 vítimas que estiveram presentes, mas também “para outras que, não estando presentes fisicamente, se fizeram representar”.
“Houve testemunhos escritos que eu entreguei, outras vítimas também entregaram esses mesmos testemunhos de outras vítimas e, portanto, explicar ao santo padre que estavam ali 13 pessoas, mas que há um número muito maior de vítimas identificadas em Portugal”, afirmou.
No que se refere às 13 vítimas que marcaram presença, a psiquiatra salientou que “havia a expectativa de que este encontro as pudesse ajudar a encontrar alguma paz, alguma serenidade”.
“Para algumas delas, foi um reencontro com a sua fé. Houve algumas vítimas que entraram ali muito descrentes e que saíram mais crentes. (…) As pessoas sentiram-se mais iluminadas, com mais esperança e sentiram a sua fé também reforçada”, indicou.
Rute Agulhas acrescentou que, durante o encontro, o Papa Francisco foi “muito atencioso, muito empático, deu todo o tempo e todo o espaço que as pessoas precisaram para falar e para dizer aquilo que sentiam e que pensavam”.
“Em momento algum apressou quem quer que fosse, houve várias pessoas que falaram mais do que uma vez, em momentos diferentes. O santo padre ia ouvindo, ia acenando com a cabeça, ia validando, ia dizendo coisas como ‘é muito duro, compreendo’, expressões que transmitem empatia e validação das emoções das pessoas”, referiu.
Segundo relatos de participantes na reunião, o Papa Francisco pediu também “perdão em nome pessoal e em nome da Igreja” às vítimas.
Rute Agulhas disse que, no final do encontro, o Papa proferiu “palavras de encorajamento, de não silenciamento destes situações que a Igreja tem escondido ao longo dos tempos”, além de ter agradecido ao Grupo VITA pelo trabalho que tem realizado, incentivando-o a continuar a acompanhar as vítimas.
Questionada sobre quais os próximos passos que a Igreja deve dar sobre esta matéria, a psiquiatra respondeu que “há muito a fazer”, em particular no que se refere à prevenção de abusos.
“Estamos todos muito focados na prevenção primária, na capacitação das estruturas da Igreja, é algo que as vítimas dizem muitas vezes: ‘já aconteceu comigo e não dá para voltar atrás, que não aconteça com mais ninguém’”, referiu.
Segundo a psiquiatra, esta preocupação foi transmitida por várias vítimas ao Papa Francisco, que, por sua vez, também “reforçou a importância de se prevenir [estes casos], de haver uma Igreja mais protetora, mais atenta”.
“No fundo, é uma responsabilidade de todos enquanto comunidade: de estarmos atentos e protegermos as nossas crianças e jovens”, referiu.