Os projetos do PAN e do Bloco de Esquerda sobre a eutanásia receberam pareceres negativos: um do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e outro da Ordem dos Enfermeiros. Dizem que a atual discussão não se pode sobrepor à necessidade do país em assegurar uma eficaz rede de cuidados paliativos.
A discussão deve acontecer no parlamento antes do final desta sessão legislativa.
O documento do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida deu parecer negativo ao projeto de lei do PAN favorável a despenalização da eutanásia. Começa por referir que "a proposta de legalização da morte a pedido abrirá uma lacuna de relevante significado ético e social, pela assimetria das condições disponibilizadas" aos cidadãos "no acesso aos cuidados de saúde".
O parecer, de 10 pontos, lembra que caberia ao próprio doente manifestar a intenção de pedir a morte "medicamente assistida". No entanto, a legitimação e a validação desse pedido, seria sempre realizada por terceiros - o que levanta problemas, uma vez que, segundo o documento, "a condição de indignidade da vida em determinadas circunstâncias, como fundamento ético para pedir a morte" é percecionada de forma diferente por cada pessoa - o que levanta dificuldades no momento de validação de um pedido.
O documento afirma que os pareceres médicos sucessivos vão permitir validar o pedido de morte, significariam um sofrimento adicional para o doente e faria aumentar o peso da burocracia.
Conclui o parecer que "o projeto atribui ao médico a decisão final sobre o pedido de morte. Logo, o fundamento do principio do respeito pela autonomia da pessoa que faz o pedido fica claramente comprometido."
Os autores sublinham que a responsabilidade do Estado é a de promoção das boas práticas clínicas. Defendem, ainda, que no projeto não se referem, de forma clara, os procedimentos destinados a avaliar a capacidade para o exercício livre da autonomia.
"O texto remete apenas para a capacidade legal (idade, interdição, inabilitação por anomalia psíquica), o que fica muito aquém da real expressão de autonomia que fundamente a verdade" no momento de pedir a morte.
Referem ainda que, no projeto de lei, "a morte provocada a pedido é apresentada como a única resposta para o sofrimento considerado como intolerável", ao mesmo tempo que "parece colocar o respeito pelos pedidos de morte no mesmo plano das situações de respeito pelas decisões de recusa de tratamentos, de abstenção ou suspensão terapêuticas", usando como fundamento "realidades que merecem valorações éticas muito distintas".
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida critica a nomenclatura utilizada no projeto e diz que a proposta legislativa, "centra a fundamentação na afirmação de um direito" que é questionável: o direito de alguém ser atendido quanto a um pedido para ser morto.
Para além destas dúvidas, dizem os autores, tal direito iria conferir uma contrapartida de obrigações para lhe dar satisfação, tanto no que respeita à atuação dos médicos como do Estado na organização técnica, jurídica e administrativa do processo.
O mesmo documento refere que o código de conduta profissional dos médicos não admite a intervenção nestas práticas.
Conclui, ainda, que o "Estado não pode concentrar os seus deveres na legalização e regulação de pedidos de morte", escusando-se das preocupações de satisfazer as carências existentes quanto aos cuidados paliativos. Dizem os autores que "é gravosa em Portugal, a carência" deste tipo de cuidados.
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, diz ser necessária uma reflexão profunda e esclarecida sobre o tema, até porque os valores da Constituição têm, de ser compatibilizados com os valores da liberdade e autonomia individual sobre a própria vida.
Enfermeiros contra projeto Bloco
A Ordem dos Enfermeiros foi a primeira entidade a enviar o seu parecer à Assembleia da República e é contra o projeto de lei do Bloco de Esquerda (BE) sobre da morte medicamente assistida.
O projeto de lei "não apresenta maturidade para que possa ser analisado enquanto tal", lê-se no parecer da Ordem dos Enfermeiros, datado de 1 de março e remetido à Comissão de Assuntos Constitucionais, na qual está o diploma dos bloquistas antes do debate na generalidade, ainda sem data definida.
Para o órgão profissional dos enfermeiros portugueses, o "conceito de antecipação da morte por decisão da própria pessoa" ainda carece "de maturação" em Portugal, "à luz de um necessário e alargado consenso ético".
Esta discussão não "pode sobrepor-se nem antecipar-se à necessidade de assegurar uma rede de cuidados paliativos e continuados eficaz", lê-se ainda no texto.
A ordem considera ainda o projeto bloquista "muito redutor" porque centraliza o processo "num único profissional de saúde, o médico", ignorando a intervenção de outros, como os enfermeiros, e alerta que a antecipação da morte pode ser "analisado e decidido por um médico assistente, sem qualquer relação quotidiana com o doente".
No parecer, alerta-se ainda para a incoerência de o projeto prever que, no processo de antecipação da morte os enfermeiros atuem "desde que a sua intervenção decorra sob supervisão" dado que, no regulamento do exercício destes profissionais, "em momento algum da atuação dos enfermeiros atuam sob supervisão".
A ordem recorda ainda que "é obrigação do enfermeiro exercer a sua profissão com respeito pela vida, pela dignidade humana e pela saúde e bem-estar da população".
[notícia atualizada às 8h00 de dia 13]