O texto hoje divulgado, com o título “Através do deserto, Deus guia-nos para a liberdade”, recorda que o êxodo da escravidão para a liberdade não é um caminho abstrato, mas bem concreto, tal como concreto deve ser também o caminho da Quaresma.
Francisco considera que o primeiro passo deste percurso implica “querer ver a realidade”. Por isso, se hoje - tal como no tempo dos faraós - em que “o grito de tantos irmãos e irmãs oprimidos chega ao céu, perguntemo-nos: E chega também a nós? Mexe connosco? Comove-nos?”
Preocupado com os muitos factores que nos afastam uns dos outros e “negam a fraternidade que originariamente nos devia unir," o Papa lamenta os que preferem “a atração para a segurança das coisas já vistas, em detrimento da liberdade”. E interroga-se: "Desejo um mundo novo? Estou disposto a desligar-me dos compromissos com o velho?”
A partir do testemunho de muitos bispos e de um grande número de agentes de paz e justiça, Francisco está “cada vez mais convencido de que aquilo que é preciso denunciar é um défice de esperança” que, tal como paralisou Israel no deserto, impedindo-o
de avançar, também agora afeta a humanidade do nosso tempo que, “apesar de ter chegado ao limiar da fraternidade universal e a níveis de progresso científico, técnico, cultural e jurídico capazes de garantir a todos a dignidade, tateia ainda na escuridão das desigualdades e dos conflitos”.
Mais terríveis do que os faraós são os ídolos
Nesta Mensagem, o Papa alerta para os entraves que paralisam o caminho da conversão. “Mais temíveis que o Faraó são os ídolos: poderíamos considerá-los como a voz do inimigo dentro de nós. Poder tudo, ser louvado por todos, levar a melhor sobre todos, todo o ser humano sente dentro de si a sedução desta mentira. É uma velha estrada”, alerta.
A única alternativa capaz de construir uma nova humanidade, é “o povo dos pequeninos e humildes que não cedeu ao fascínio da mentira” e que o Papa considera uma preciosa “força silenciosa de bem que cuida e sustenta o mundo”.
A Quaresma implica também saber parar e praticar a oração, o jejum e a esmola, que "não são três exercícios independentes, mas um único movimento de abertura, de esvaziamento para deitar fora os ídolos que nos pesam e os apegos que nos aprisionam”, garante.
A conversão comunitária e os jovens em Lisboa
Desta vez, o âmbito da conversão quaresmal ultrapassa a dimensão pessoal. Para Francisco, “a forma sinodal da Igreja, que estamos a redescobrir e cultivar nestes anos, sugere que a Quaresma seja também tempo de decisões comunitárias, de pequenas e grandes opções contra-corrente, capazes de modificar a vida quotidiana das pessoas e a vida de toda uma coletividade”. O Papa acrescenta alguns exemplos que exigem conversão: “os hábitos nas compras, o cuidado com a criação, a inclusão de quem não é visto ou é desprezado” e convida toda a comunidade cristã “a repensar os estilos de vida, reservar um tempo para verificar a sua presença no território e o contributo que oferece para o tornar melhor”.
Por fim, Francisco espera que a conversão nesta Quaresma gere criatividade, mais concretamente, “um estremeção de criatividade e o lampejar de uma nova esperança”, tal como aconselhou aos jovens, no verão passado, durante a JMJ: “Quero dizer-vos, como aos jovens que encontrei em Lisboa: Procurai e arriscai; sim, procurai e arriscai. Neste momento histórico, os desafios são enormes, os gemidos dolorosos: estamos a viver uma terceira guerra mundial feita aos pedaços. Mas abracemos o risco de pensar que não estamos numa agonia, mas num parto; não no fim, mas no início dum grande espetáculo. E é preciso coragem para pensar assim (Discurso aos estudantes universitários, 03/VIII/2023)”.