Juristas de 11 países, incluindo o antigo ministro português da Justiça Alberto Costa e o ex-presidente da Ordem dos Advogados António Marinho e Pinto, alertaram esta semana para os “graves vícios” no processo que levou à prisão do ex-Presidente brasileiro Lula da Silva.
O grupo divulgou uma carta publicada no último domingo, publicada no jornal "Folha de S.Paulo", na qual afirmam que Luiz Inácio Lula da Silva não foi julgado, mas vítima de uma perseguição política.
"Nós, advogados, juristas, ex-ministros da Justiça e ex-membros de Cortes [tribunais] Superiores de Justiça de vários países, queremos chamar à reflexão os juízes do Supremo Tribunal Federal e, mais amplamente, a opinião pública do Brasil para os graves vícios dos processos movidos contra Lula [da Silva]", lê-se no documento.
Citando revelações do site investigativo The Intercept e ‘medias' parceiros do Brasil que colocaram em causa a imparcialidade da operação Lava Jato, os especialistas frisaram estarem "chocados ao ver como as regras fundamentais do devido processo legal brasileiro foram violadas sem qualquer pudor".
"Num país onde a Justiça é a mesma para todos, um juiz não pode ser simultaneamente juiz e parte num processo. Sérgio Moro [ex-juiz que condenou Lula da Silva e que ocupa o cargo de ministro da Justiça do Brasil] não só conduziu o processo de forma parcial, como comandou a acusação desde o início", apontaram.
"Hoje, está claro que Lula [da Silva] não teve direito a um julgamento imparcial. Ressalte-se que, segundo o próprio Sérgio Moro, ele foi condenado por "fatos indeterminados'. Um empresário cujo depoimento deu origem a uma das condenações do ex-presidente chegou a admitir que foi forçado a construir uma narrativa que incriminasse Lula [da Silva", acrescentou-se no documento.
Os juristas fizeram questão de mencionar que a luta contra a corrupção é essencial, mas afirmaram que "no caso de Lula [da Silva], não só a Justiça foi instrumentalizada para fins políticos como o Estado de Direito foi claramente desrespeitado, a fim de eliminar o ex-Presidente da disputa política".
O documento conclui com um pedido aos juízes Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil para que "exerçam na plenitude as suas funções e sejam os garantidores do respeito à Constituição. Ao mesmo tempo, esperamos que as autoridades brasileiras tomem todas as providências necessárias para identificar os responsáveis por estes gravíssimos desvios de procedimento".
Assinam a carta o professor italiano Luigi Ferrajoli, o ex-juiz espanhol Baltasar Garzón, Herta Daubler-Gmelin, ex-ministra da Justiça da Alemanha, Susan Rose-Ackerman, professora de jurisprudência da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, entre outros.
Lula da Silva foi condenado num processo da Operação Lava Jato julgado em três instâncias da Justiça brasileira sobre a posse de um apartamento de luxo na cidade do Guarujá que alegadamente lhe foi dado como pagamento de suborno pela construtora OAS.
O antigo chefe de Estado brasileiro cumpre uma pena em regime fechado atualmente estipulada em 8 anos e 10 meses de prisão na cidade de Curitiba desde 07 de abril do ano passado.
A sentença voltou a gerar polémica depois da divulgação de mensagens de autoridades do Brasil após a invasão de telemóveis de atuais membros e ex-responsáveis da Operação Lava Jato.
Moro e membros do grupo de trabalho da Lava Jato estão envolvidos num escândalo, conhecido como "Vaza Jato", que começou em 09 de junho, quando o The Intercept Brasil e outros 'media' parceiros começaram a divulgar reportagens que colocam em causa a imparcialidade da maior operação contra a corrupção no país.
Baseadas em informações obtidas de uma fonte não identificada, estas reportagens apontam que Moro terá orientado os procuradores da Lava Jato, indicando linhas de investigação e adiantado decisões enquanto era juiz responsável por analisar os processos do caso em primeira instância.
Se confirmadas, as denúncias indicam uma atuação ilegal do antigo magistrado e dos procuradores brasileiros porque, segundo a legislação do país, os juízes devem manter a isenção e, portanto, estão proibidos de auxiliar as partes envolvidas nos processos.
Moro e os procuradores da Lava Jato, por seu turno, negam terem cometido irregularidades e fazem críticas às reportagens do The Intercept e seus parceiros (Folha de S. Paulo, revista Veja, El País e o jornalista Reinaldo Azevedo), afirmando que são sensacionalistas e usam conversas que podem ter sido adulteradas e foram obtidas através de crime cibernético.