Em condições normais, teria sido natural e até sensata uma reunião entre António Costa e Mário Centeno esta quarta-feira à noite. Era véspera de o Parlamento discutir o Programa de Estabilidade e o Plano Nacional de Reformas, dois documentos refeitos sob pressão da crise económica motivada pela pandemia de Covid-19, e faria todo o sentido que o chefe do Governo e o seu ministro das Finanças afinassem posições sobre dois documentos estratégicos tanto a nível nacional como europeu.
A reunião entre Centeno e Costa foi, contudo, mais um episódio de uma novela lamentável sobre a transferência de mais 850 milhões de euros para o Novo Banco, que se arrasta há uma semana. E ainda mais lamentável tendo em conta a situação que o país e a Europa vivem, no meio da crise económica motivada pela pandemia de Covid-19. Terminar a novela com um comunicado em que o primeiro-ministro reafirma a confiança pessoal e política no ministro das Finanças e um dos ministros de Estado é reconhecer que essa confiança foi posta em causa e sinal de que não existe ou, pelo menos, está fragilizada.
Esta seria uma péssima altura para Centeno sair. É preciso fazer o orçamento suplementar, fechar o plano de recuperação económica da União Europeia e, já agora, deixá-lo terminar o mandato de presidente do Eurogrupo. Depois, Costa pode escolher um ministro mais motivado para a conjuntura que vivemos e Marcelo poderá dar posse a um titular das Finanças em que confie.
O Presidente tem contas antigas a ajustar com o ministro das Finanças. Em 2017, depois da polémica sobre o acordo com António Domingues para presidir à Caixa Geral de Depósitos, Marcelo deixou claro que só aceitava a continuidade de Centeno no Governo em nome do interesse nacional.
Já em março deste ano, com a pandemia em curso, quis certificar-se que Centeno estava com os pés assentes na realidade e em Portugal e chamou-o a Belém. À saída, o ministro garantiu que estava focado e o Presidente agradeceu. Mas não terá ficado convencido. E esta quarta-feira, fez questão de se colocar ao lado do primeiro-ministro na polémica com o ministro das Finanças a propósito da transferência para o Novo Banco.
Na verdade, Mário Centeno há muito que não está com os dois pés no Governo. E teve muita dificuldade em voltar a estar sequer com um e assumir por completo o papel que é necessário no âmbito da atual crise. Foi como se tivesse entrado em choque com a pandemia e ainda não tivesse voltado à realidade. Um choque compreensível, sobretudo tendo em conta que ia ser o ministro do histórico excedente orçamental de 2020, que poderia sair em ombros para o lugar que desejasse. Afinal, até conseguiu o excedente em 2019 e fez questão de dar uma conferencia de imprensa já com a pandemia em curso para que, afinal, o único excedente que haveria de conseguir não passasse despercebido.
“O homem tinha acabado de chegar ao cimo do Everest e dizem-lhe ‘agora volta lá para baixo e tenta subir outra vez”, resumia um membro do Governo para justificar o ar desolado do ministro das Finanças quando apareceu ao lado do primeiro-ministro e de outros ministros numa das primeiras conferências de imprensa feitas na Ajuda. A falta de vigor, de empenho e de comprometimento aparecia a cada declaração, entrevista ou simples presença de Centeno.
E até na Europa, o outrora Ronaldo das Finanças tornou-se uma espécie de Fábio Paim quando soou o toque de alerta das dificuldades. Afinal, os seus pares agora acham que não prepara bem as reuniões, que é incapaz de alcançar compromissos e não tem capacidade de liderança. Foi esse o retrato que alguns dos ministros das Finanças da UE passaram ao "Frankfurter Allgemeine" há alguns dias, dando um sinal da dificuldade em ser reeleito para um segundo mandado, em julho.
Centeno fica, pois, mas a prazo. Já não sairá em ombros. Resta saber se não sairá tão mal que não tenha condições políticas para chegar ao seu ambicionado lugar de governador do Banco de Portugal.