Estreiam dia 26 de maio os 7 episódios de Rabo de Peixe, a segunda série com carimbo português a chegar à plataforma Netflix. Dirigida pelo realizador Augusto Fraga, com Patrícia Sequeira, a série conta nos principais papéis com atores como Albano Jerónimo, Pepê Rapazote, José Condessa, Helena Caldeira, Kelly Bailey, entre outros.
Na origem da história está um caso verídico. Em entrevista à Renascença, o realizador e publicitário Augusto Fraga explica que foi ao seu arquivo buscar a ideia quando o Instituto do Cinema abriu os concursos para apoios. “Todos os criadores têm sempre uma gaveta cheia de ideias que vamos roubando à comunicação social, sobretudo aos jornais, às rádios e às televisões”, conta o realizador.
Na génese da série está a história de um barco carregado de droga que naufragou ao largo dos Açores. Na série, um veleiro pilotado por dois italianos perde o leme no meio de uma tempestade. O carregamento, uma tonelada de droga dá à costa numa das vilas açorianas mais pobres do arquipélago. Em Rabo de Peixe, a vida de muitos, em particular, de 4 amigos, muda.
Filmada com ritmo, com uma banda sonora que marca a história, Rabo de Peixe explica o realizador levanta várias questões ao espetador. “Acho que há uma ironia divina que me atraiu muito nesta história. O detonante desta história é esta substância que, para mim, representa a corrupção e a luta pelo dinheiro. A ironia de a levar para um sítio que eu vejo como tão puro e inocente, de alguma forma, e juntar esses dois universos, pareceu-me que era um bom início para criar uma história”, sublinha Augusto Fraga à Renascença.
No centro da ação está Eduardo, a personagem desempenhada pelo ator José Condessa que à Renascença fala deste jovem carregado de sonhos e ao mesmo tempo de valores que se vê confrontado com a cocaína que deu à terra.
“O sonho não nasce só de uma necessidade de querer sair, ou querer fugir de algo, mas simplesmente dele próprio querer comandar a própria vida. E vem do trabalho, dos valores que eu também, como ator, encontrei nas pessoas de Rabo de Peixe que me ajudaram muito a criar este Eduardo”, explica Condessa.
Segundo o ator, a sua personagem, um pescador, é confrontado com um dilema ao perceber que a venda de droga poderá representar uma saída para a pobreza, e ao mesmo tempo para fazer face à despesa de uma cirurgia do pai.
“Este acontecimento põe-nos numa balança do que é que todos nós faríamos naquelas circunstâncias, tendo em conta as nossas condições pessoais, e as condições que a vida nos põe à frente. Acho que este Eduardo é muito essa luta interior”, admite José Condessa, à Renascença.
Augusto Fraga sublinha as palavras do ator. “Foi sobre esse sentimento de injustiça que quisemos falar. Porque é que uns têm tudo, e outros não tem nada? Porque é que uns nascem chicharros e os outros num mar de tubarões? Como é que essa pessoa reage quando acontece esse contexto extraordinário que lhe dá opções contra muitos dos seus valores para sair dali?”. Interrogações que também vão interpelar o espetador da série.
A responsabilidade de mostrar Portugal ao mundo
No centro da ação está um grupo de amigos que sonham outras oportunidades na vida e a quem a droga pode ser essa porta de saída. A representá-los estão atores como André Leitāo, Kelly Bailey, Helena Caldeira e Rodrigo Tomás.
Questionados sobre o que representa para si estarem na Netflix mostram-se satisfeitos com a oportunidade. Helena Caldeira que na série representa Sílvia, uma jovem que trabalha num vídeo clube e que sonha ser modelo explica que “a Netflix vai ser provavelmente a montra”.
Segundo a atriz vai ser fácil, através do computador ou da televisão, de repente, o mundo descobrir “uma ilha, no meio do Atlântico, uma aldeia, provavelmente das aldeias mais pobres da Europa de que ninguém fala”.
Helena Caldeira aponta: “Não é só é importante do ponto de vista social, mas também do ponto de vista artístico. De repente, estamos a mostrar a 170 países como é que são os atores portugueses, o que é que são as histórias portuguesas, o que é a paisagem portuguesa. Acho que é uma responsabilidade”.
Também Rodrigo Tomás fala em responsabilidade. O ator que representa Rafael, um jogador de futebol frustrado que uma lesão afastou de uma carreira desportiva, explica que “levar Rabo de Peixe ao mundo é algo de grande responsabilidade, na medida em que é um tema bastante delicado. É uma comunidade bastante marginalizada, mesmo até dentro da própria ilha, e pela qual ganhamos um grande carinho, pela sua pureza, pela sua honestidade, pelas relações que têm entre eles. Foi uma das grandes inspirações para a nossa união e para a nossa amizade”.
Já André Leitão que dá corpo a Carlinhos, um jovem gay muito católico, representa outro lado da vida na ilha açoriana. “O Carlinhos é das pessoas mais livres que esta série tem. É muito desprendido”, diz o ator em entrevista à Renascença. Segundo André Leitão, ‘Rabo de Peixe’ é uma oportunidade de mostrar ao mundo “uma história nossa que é uma tragédia, e pegar nisso e mostrar o que se faz de bom por cá, numa história bem escrita”.
Mas nem tudo corre bem na vida deste grupo de amigos, e a Polícia Judiciária entra em ação, personificada no trabalho de atores conhecidos como Maria João Bastos, ou do humorista Salvador Martinha. No limbo entre esse mundo da polícia e do grupo de amigos fica Bruna, a personagem representada pela atriz Kelly Bailey e que faz de filha do inspetor da PJ.
À Renascença, a atriz explica que a sua personagem “é uma miúda, jovem divertida que não pensa muito”. Bruna “deixa-se ficar numa relação que é tóxica com uma pessoa que não traz coisas boas”, conta a atriz que revela que é, contudo, “uma personagem que, no fim, vai mudar bastante”.
Os Açores no mundo
Rodada nos Açores, a série conta com alguns postais turísticos da ilha de São Miguel, e nem um tremor de terra falta. Talvez para isso tenha ajudado, o facto do realizador ser natural do arquipélago, mas também alguém habituado à linguagem de realização da publicidade.
Augusto Fraga diz que “é um enorme orgulho” levar os seus Açores ao mundo e ao mesmo tempo é também uma “responsabilidade”. “Por um lado, apesar de ser um grande defensor do turismo como potenciador do desenvolvimento das regiões autónomas, também sou contra. Tenho uma visão protecionista daquilo que é uma das zonas mais especiais do mundo para mim, que tem que ser protegida do exagero”, refere o realizador.
“Eu acho aquilo tudo lindo” aponta Fraga. Nesta conversa com a Renascença, o realizador faz questão sobretudo de destacar “o capital humano” dos Açores e as suas tradições. “Eu considero que os açorianos não são iguais ao resto dos continentais. Aquilo que faz das pessoas das ilhas diferentes, e em muitas coisas mais fortes, mais resistentes, é o conviverem com vulcões, com tempestades, com terramotos”, diz Augusto Fraga, que remata: “Isso cria uma resistência”.
Por outro lado, sobre a terra que o viu nascer, Fraga faz questão de lembrar que é um arquipélago alimentado pelo “sonho de descobrir o resto do mundo”. “Não é por acaso que há quase 1 milhão de açorianos emigrados a viver nos Estados Unidos, no Canadá. É esse sonho de conhecer o mundo. É inerente ao ser açoriano”.
Segundo Fraga, “filmar nos Açores foi um sonho. Todos os dias tivemos o apoio da ilha” faz questão de dizer o realizador que assina esta produção com o apoio da PIC Portugal e da produtora Ukbar Filmes.