Michael Cunningham: "Se Trump for eleito, é uma má notícia para todo o mundo"
05-06-2024 - 09:00
 • Maria João Costa

O autor norte-americano está a lançar em Portugal "Dia", o livro que marca o regresso ao romance, 10 anos depois. Em entrevista à Renascença, Cunningham mostra-se “muito preocupado” com a possível reeleição de Trump.

Se há cinco anos Michael Cunningham estava preocupado por viver num país governado por Donald Trump, agora, em 2024 está “muito preocupado” com o facto de o ex-Presidente dos Estados Unidos poder ser reeleito.

Em entrevista ao programa Ensaio Geral, da Renascença, o autor norte-americano confessa que não se deixou de preocupar. Na sua opinião, “se Trump for eleito outra vez é uma má notícia para todo o mundo”.

“O Trump continua sempre a regressar de um desastre ou de outro. A certa altura nós desenvolvemos alguma suspeita…será que é desta vez? Ele acabou mesmo?! Será que ele se afundou no seu próprio barco? Depois afinal, não! Então, ainda não me deixei de preocupar e não sei se alguém deixou de se preocupar”, explica nesta entrevista em Lisboa.

O autor do famoso romance “As Horas” vai mais longe nas críticas a Trump. “É o fim de qualquer tentativa de reverter as alterações climáticas, por exemplo e isso afeta-nos a todos. É o fim de qualquer ajuda americana”, diz Cunningham, que refere uma “lista infinita” no que toca a retrocessos.

O autor, que em 2019 esteve em Cascais numa residência universitária, está agora em Lisboa, onde participou na Feira do Livro e em várias iniciativas culturais para promover “Dia”, o seu mais recente romance.

Contudo, este não foi o livro que esteve a escrever quando esteve em Portugal. Esse é um romance que ficou na gaveta e que “talvez” um dia regresse a ele, admite o escritor.

Uma família antes, durante e depois da pandemia

Quanto a “Dia”, editado pelo Gradiva, é um romance em que o autor regressa a temas que lhe são caros, como a família e os vírus. Se no passado escreveu sobre a Sida, agora foi o coronavírus que se impôs.

“O primeiro desafio com este livro foi ter sentido que não podia escrever um romance contemporâneo, sem a pandemia. Não há nenhum cenário possível sem a pandemia, nem em Nova Iorque, nem nas Fiji, nem no Arkansas! Então, como escritor não me restou alternativa senão encontrar uma forma de lidar com a pandemia, mas ao mesmo tempo escrever sobre os seres humanos”, explica.

Nas suas palavras “os romances não são sobre vírus. São sobre pessoas” e por isso criou as suas personagens. Dan e Isabel são o casal no epicentro da ação, juntamente com os seus filhos e um tio, Robbin, o irmão de Isabel.

Para a história foi importante a estrutura do livro que se passa num mesmo dia, mas em três anos diferentes.

“Isso permitiu-me contar a história destas pessoas antes da pandemia, depois olhar elas no pico da pandemia” e no ano seguinte, indica o autor.

Num livro onde a escrita de Cunningham é cheia de detalhes, o autor diz que o importante, para si, são as personagens. “Elas são, antes de mais, e sobretudo, pessoas que são interessantes para mim. Agora porquê estas pessoas e não outras? Devo dizer que parte disto é intuição”, aponta.

“Olhando para trás, as relações humanas tornaram-se especialmente intensas devido ao isolamento do confinamento. Estas são todas relações que poderiam ter resultado de outra forma se estas pessoas não estivessem fechadas em casa juntas”, explica o autor, que explora no livro também a importância da casa.

Michael Cunningham, que continua a viver em Nova Iorque e a dar aulas de literatura na universidade, explica como se alimenta daquilo que são as vidas com que se cruza diariamente.

“Acho que a intensidade do meu foco tem a ver com o facto de nunca ter escrito sobre pessoas famosas ou com sucesso. Eu escrevo sobre pessoas que acho interessantes”, indica.

“Neste livro, o Dan está a tentar reviver a sua carreira musical que nunca chegou a ter! A Isabel está a tentar mudar a sua vida, mas não sabe como. Estes são problemas humanos muito reais. Não é que o Dan alguma vez vá ser um Mick Jagger! Sabe, mas quero honrar e respeitar estas pessoas”, explica sobre as suas personagens.

Segundo o autor, mesmo que as vidas das suas personagens sejam “estranhas e não pareçam fora do vulgar, são importantes” e, por isso, detém-se na forma como as descreve e as emaranha nas suas histórias, algumas delas já lhe mereceram prémios como o Pulitzer ou o Pen/Faulkner, que venceu com o famoso “As Horas” sobre Virginia Woolf.