O juiz jubilado José Souto Moura, que lidera a Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, espera que o trabalho que está a ser feito contribua para a renovação da Igreja Católica, eliminando os erros do passado.
"Uma Igreja que tem coragem para se renovar, expurgando o que em si é negativo, tem a porta aberta ao futuro porque se fortalece. Caso contrário...", disse Souto Moura em entrevista escrita à agência Lusa, quando questionado sobre as consequências para a Igreja Católica em Portugal do trabalho das Comissões Diocesanas.
Para já, e ao fim de pouco mais de meio ano de trabalho, há já uma mensagem que o coordenador da Comissão entende poder ser passada à sociedade portuguesa: "acho que foi Daniel Rops que disse que a Igreja deve ser santa, porque existe há milénios, apesar dos homens. Como já aconteceu no passado, a Igreja pode ser confrontada com a necessidade de mudar de rumo, não evidentemente em aspetos essenciais, mas num ou noutro ponto".
"A Igreja Católica Romana tem um chefe eleito que é o Papa e é a ele que compete, antes de mais ninguém, determinar esse rumo. Da recente entrevista que Francisco deu à nossa concidadã Maria João Avillez, ficaram-me gravadas duas expressões fortes: um só caso de abuso já é "monstruoso", e perante ele o que pede é "tolerância zero". Temos de ter estas palavras sempre presentes no nosso trabalho", acrescentou.
Quanto à ação da equipa que lidera, Souto Moura revelou que "realizou o primeiro objetivo que presidiu à sua criação, a elaboração de um manual de "boas práticas"" - que apelida de Base Comum - "da atuação das Comissões Diocesanas" e que mereceu o aval do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
"É que, embora algumas Comissões dispusessem já de Regulamentos para uso próprio, aliás com bastante qualidade, outras suponho que ainda não tinham nada. Sobretudo, importava criar uma base mínima de procedimento comum que evitasse diferenças importantes na atuação", pois é necessário "que as pessoas possam ter as mesmas expectativas junto das Comissões, independentemente do sítio onde estão", explicou o magistrado, acrescentando que, "desde o primeiro momento se salvaguardou a possibilidade de os Regulamentos próprios continuarem a servir, em consonância com o fundamental da "Base Comum"".
Outro raio de ação tem sido a procura de "ter atualizado o "panorama" do país em matéria de casos levados às Comissões. Pedimos que nos dessem conta das situações que foram conhecendo. Não achámos importante a identificação dos envolvidos e quisemos só o fornecimento de alguns elementos, como a idade da vítima, a qualidade do agente, a data dos factos e que factos".
"Até ao momento o balanço é positivo", admitiu José Souto Moura, revelando que a equipa de Coordenação também "foi útil nos contactos com a Comissão Independente e nalguma colaboração que lhe foi dada".
"De vez em quando, a equipa é solicitada pelas Comissões Diocesanas para um ou outro esclarecimento. Do género: "que fazer quando o ofendido quer participar, mas não quer uma denúncia ao Ministério Público nem processos canónicos? Ou só quer o processo canónico?", ou então, "que legitimidade tem a Comissão para convocar pessoas para ouvir?"", exemplificou o ex-procurador-geral da República.
Souto Moura adiantou, entretanto, estar a ser preparado um encontro da comissão de Coordenação com representações de todas as Comissões Diocesanas, que, na sua ótica, "estão a fazer um trabalho muito útil e que tem de continuar".
"Não nos podemos esquecer de que a Comissão Independente não dura sempre e no futuro são as Diocesanas que ficam com a missão de proteger os menores e os adultos vulneráveis no que lhes compete", alertou Souto Moura, acrescentando que "as Comissões reúnem por regra elementos de diferentes profissões, como médicos psiquiatras ou de outras especialidades, psicólogos, juristas, professores, polícias, o que lhes dá uma capacidade para lidar com as diferentes situações".
Sem horizonte temporal para o funcionamento da comissão por si liderada, o juiz jubilado sublinha que "esta só tem razão de ser em função das Comissões Diocesanas e, por isso, enquanto estas existirem", considera que "a Coordenação será útil", embora frise que "coisa diferente é obviamente a duração do mandato dos elementos de uma e outras".