Num estilo cativante, muito falador e sempre a pedir mais tempo à organização da conferência "Com os pobres", que está a decorrer no Centro Cultural Franciscano, em Lisboa, o cardeal Juan José Omella, arcebispo de Barcelona, foi direto ao assunto: "A terra é de todos e é uma injustiça que se passe fome".
Toda a intervenção do cardeal Omella andou à volta do conceito "opção preferencial pelos pobres", uma expressão, que explicou, nasceu na América Latina em meados do século passado e que, para o arcebispo de Barcelona, "é o mesmo que o amor", é "sair de si próprio e amar o outro".
O cardeal Omella, perante vários elementos da hierarquia da Igreja Católica portuguesa presentes na sala, referiu que "no começo da Igreja estão os pobres, os doentes", deixando como o exemplo aquilo que tem visto quando vai o Vaticano.
"Quantas vezes se vai ao Vaticano e agora, mais do que nunca, se veem os pobres a andar por ali pela colunata de Bernini e pela Praça de São Pedro e antes não se viam? São seres humanos, que estão esquecidos", notou. Depois, alertou que "todos como sociedade" têm "de reagir" e que os pobres vão sendo esquecidos "porque incomodam".
Dos avisos e recados não ficou de fora a própria Igreja. O cardeal Omella lembrou que "quando os bispos são ordenados uma das perguntas que fazem é 'queres ser pai dos pobres?', e todos dizem que sim, na catedral". "Só que depois, na rua, quando encontram um pobre dizem 'ai, rapaz, deixa-me'" - ou seja, "o pobre incomoda", ficando esquecida "a promessa" feita de "amor preferencial aos pobres".
A diferença entre a pregação e a prática ficou ainda patente noutra parte do discurso de Omella, que admitiu que se fazem "artigos óptimos" sobre pobreza, mas "na vida concreta custa mais", desafiando a que se passe "da reflexão" para a "ação".
O cardeal referiu que é necessário "atacar, denunciar, as causas e as raízes da pobreza", dando como exemplos as existentes "falta de justiça e de solidariedade", dizendo-se "indignado" pela maneira como a Europa está a tratar os migrantes que chegam todos os dias ao continente.
Durante a intervenção, o arcebispo de Barcelona referiu que se indigna com as pessoas que dizem que, perante a "avalanche de imigrantes", não se pode acolhê-los, mas, admitindo que quem o diz "até tem razão", coloca porém a questão: "O que foi feito, o que está a fazer-se para que não tenham de sair de onde estão?".
Sempre num estilo peculiar, o cardeal Omella atirou ainda que uma "injustiça enorme é morrer de fome", para concluir que injustiça também é "o dinheiro que se gasta para perder quilos", ressalvando logo que lhe "perdoem os que estão gordos, não é porque comam, é porque é biológico", provocando gargalhadas na plateia pelo humor usado.
De forma mais séria, o arcebispo de Barcelona terminou resumindo que há quem na sociedade vá a centros de emagrecimento "enquanto outros não têm o que comer", o que é "uma injustiça".
Na intervenção de mais de uma hora, o cardeal Omella disse ainda que "é preciso sensibilizar a sociedade para responder aos problemas, ajudar os pobres a sair daquela situação", dando como soluções "a reinserção social, que os pobres sejam os protagonistas do seu próprio desenvolvimento". E mais, "caminhar com eles", concluiu o cardeal.
E foi ainda deixado outro desafio à plateia. Em vez de fazer-se a pergunta "onde está Deus?" quando se vê a pobreza no mundo, o cardeal Omella propõs que se coloque a questão "onde estamos nós? onde estás tu?", promovendo no fundo uma responsabilização de cada um pela solução ou alívio do problema.