O processo de despenalização da morte medicamente assistida já atravessou três legislaturas. A lei foi aprovada na generalidade há dois anos, já esteve ferida de inconstitucionalidade e foi objeto de um veto político.
Sete meses depois, e sem se saber o que fará o Presidente da República, o Parlamento prepara-se para aprovar de novo a eutanásia e o suicídio medicamente assistido, na prática alargando as condições em que é possível.
Que novidades tem esta última versão da despenalização da morte medicamente assistida?
Agora, os partidos que querem a despenalização da morte medicamente assistida deixaram cair o conceito da doença fatal, o que pode alargar o recurso à eutanásia e ao suicídio medicamente assistido a casos como os do espanhol Ramón Sampedro ou do português Luís Marques, ambos tetraplégicos, mas não com uma doença que possa ser qualificada como fatal.
Quando vetou a anterior versão, Marcelo Rebelo de Sousa mandou uma carta aos deputados onde pedia que clarificassem se é ou não exigível como recurso à morte medicamente assistida que se trate de uma doença fatal e se, não o sendo, a exigência de doença grave ou de doença incurável é alternativa ou cumulativa.
Os projetos do PS, do BE, do PAN e da Iniciativa Liberal, que são debatidos nesta quinta-feira, exigem que se trate de um doença grave e incurável (antes falavam em ‘ou’) mas deixam cair o critério de doença fatal, o que aproxima a solução portuguesa das mais radicais e drásticas, segundo defendeu o Presidente da República na comunicação que fez à Assembleia.
A posição do Parlamento pode ser lida como um confronto ao Presidente, que poderá ter como resposta mais um veto?
Tendo em conta que Marcelo disse, na comunicação que fez ao Assembleia da República, que a eliminação do critério de doença fatal conduz a uma solução radical e drástica que não corresponde ao sentimento dominante na sociedade portuguesa, essa leitura é lógica. E pode antever uma posição também de confronto do chefe de Estado em relação aos deputados.
Não se sabe o que Marcelo Rebelo de Sousa irá fazer quando receber o diploma para promulgação. Tem dito que vai esperar para ver o que diz a lei para tomar uma posição. Irá simplesmente promulgar sem mais? Exercer o seu direito de veto político, como já fez antes? Ou remeter o diploma para o Tribunal Constitucional, como também já fez?
Se o Presidente da República reenviar o diploma para o Tribunal Constitucional e se os juízes do Palácio Ratton confirmarem as dúvidas presidenciais, aos deputados não restará outra alternativa que não seja retirar do diploma todos os aspetos declarados inconstitucionais.
Mas importa sublinhar que o Tribunal Constitucional chumbou por maioria de sete juízes contra cinco a Lei aprovada em fevereiro de 2021, argumentando que as condições em que a antecipação da morte medicamente assistida é admissível têm de ser claras, precisas, e controláveis. O que, segundo eles, não acontecia no diploma.
Embora a questão não lhe tivesse sido colocada, o Tribunal Constitucional fez questão de declarar que o princípio da Constituição de que a vida humana é inviolável não é incompatível com a despenalização da morte medicamente assistida.
E o que diz no essencial o projeto do PS? Permite a eutanásia e o suicídio medicamente assistido?
Sim, permite quer o suicídio sob supervisão médica, quer a eutanásia – ou seja, a administração de fármacos letais pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito. São admitidos apenas os pedidos de cidadãos nacionais ou legalmente residentes em Portugal.
De acordo com o projeto do PS, a morte medicamente assistida não é punível quando ocorra por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde.
Além destes projetos, será votado um outro de convocação de referendo?
A realização de um referendo, a pedido do Chega, vai também ser votada nesta quinta-feira. André Ventura argumenta que os deputados não estão mandatados para votar sobre esta matéria, porque nos programa eleitorais – e, nomeadamente, no do PS – não é colocada a questão da legalização da eutanásia. Por isso, diz, há uma questão de falta de legitimidade que só se resolve com um referendo.
A pergunta que André Ventura quer colocar a consulta pública é a seguinte: “Concorda que a morte medicamente assistida de uma pessoa, a seu pedido, ou a ajuda ao suicídio, devem continuar a ser punidas pela lei penal?”
A iniciativa do Chega deverá estar condenada ao chumbo, como aconteceu em 2020, quando o CDS teve iniciativa idêntica.
Que posição toma a Igreja Católica ?
A Igreja é contra os projetos de lei, mas já se posicionou a favor do referendo, tendo apoiado ativamente a recolha de assinaturas.
No anterior debate, em 2018, foi contra a consulta pública com o argumento de que a vida não ser referendável. Em fevereiro, o secretário da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Barbosa, disse que, "embora a vida não seja referendável", o referendo pode ser, nas atuais circunstâncias, uma forma "útil para defender a vida no seu todo, desde o princípio até ao seu fim natural".
A morte assistida é crime em Portugal?
Em Portugal, a morte assistida não está tipificada como crime com esse nome. Mas a sua prática pode ser punida por três artigos do Código Penal: homicídio privilegiado, homicídio a pedido da vítima e crime de incitamento ou auxílio ao suicídio.
É precisamente para despenalizar quem pratica a morte medicamente assistida em certas condições que PS, BE, PAN e IL apresentaram os seus projetos.
Que países despenalizaram a morte medicamente assistida?
A morte medicamente assistida não é crime em quatro países da União Europeia (Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Espanha) e na Suíça. Há ainda países fora do continente europeu onde a morte medicamente assistida é possível (ver mais informação aqui).