Soubemos há dias que dois grandes grupos nacionais de media vão fundir-se num só. É curiosa a coincidência de o anúncio ter acontecido em cima de um período politicamente sensível (‘Curioso ou bem planeado?’, perguntaria em tom jocoso o homem que ‘inventou’ este tipo de manobras, o Sr. Bernays, se ainda fosse vivo...). Mas é ainda mais relevante a justificada presunção de que o sector vai ficar mais pobre.
O que interessa aos accionistas destes dois grupos é, se quisermos, quase o contrário do que deveria interessar a uma sociedade que se diz defensora de uma democracia plural. Vamos ter ‘reestruturações’ (leia-se ‘despedimentos’), vamos ter ‘sinergias’ (leia-se ‘redução de custos’) e vamos ter ‘eficiência’ (leia-se ‘menos variedade de programação e menos espaços autónomos').
Porque é que faz sentido falar disto em tempo de campanha eleitoral? Porque soubemos hoje, pela Associação de Portuguesa de Radiodifusão (APR), que 90% das rádios locais associadas decidiram não cobrir jornalisticamente este período em sinal de protesto pela exclusão da rede de emissão de tempos de antena.
Segundo o comunicado da APR, se "o Estado não defende os direitos das rádios" e "os políticos não ouvem as rádios", "chegou o momento de as rádios não ouvirem os políticos".
Poderá até parecer um gesto radical, mas a verdade é que estas rádios se sentem abandonadas pelo Estado central e rodeadas por exigências fiscais e burocráticas que não fazem qualquer sentido. As que ainda sobrevivem têm existências frágeis e muito dependentes da generosidade de algumas entidades no seu entorno.
Estes dois sinais apontam num mesmo sentido e contrastam de forma clara com alguns discursos políticos recentes sobre a relevância dos media para a Democracia e sobre a necessidade de as empresas participarem num esforço de redução da presença no espaço público de informações erradas, mal contextualizadas ou mesmo falsas (as famosas ‘fake news’).
Menos empresas jornalísticas ou empresas jornalísticas mais frágeis e/ou dependentes de poderes políticos, económicos ou até desportivos e culturais podem configurar um risco para a comunidade em geral, mas podem ser uma vantagem para políticos ou gestores que valorizam mais o controlo da informação. E se estas coisas continuarem a acontecer sem que ninguém se pronuncie de forma veemente sobre os riscos que corremos, teremos de concluir que são muitos os interessados na degradação deliberada da situação.
Não nos admiremos, pois, quando o caminho terminar abruptamente em precipício.
*o autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico