Novo cardeal pede aos portugueses que continuem a ser "faróis da fé cristã"
26-08-2022 - 21:07
 • Aura Miguel , em Roma

Pela primeira vez na história da Igreja um arcebispo goês recebe agora o barrete cardinalício. A Renascença falou com D. Filipe Neri.

D. Filipe Neri António Sebastião do Rosário Ferrão é arcebispo de Goa e Damão e ficou boquiaberto quando lhe deram a notícia da sua nomeação para cardeal.

Pela primeira vez na história da Igreja um arcebispo goês, à frente de uma das dioceses mais antigas da Ásia, com quase 500 anos e os títulos honorários de Primaz das índias e Patriarca do Oriente, recebe agora o barrete cardinalício.

À Renascença, o novo cardeal revela os desafios que enfrentam hoje os cristãos na Índia e as dificuldades dos menos de 2% de católicos numa nação gigante com 1,3 mil milhões de habitantes.

D. Filipe Neri tem uma dívida de gratidão por Portugal, que define como “grande nação” que, “apesar do seu minúsculo tamanho, irradiou a fé cristã por quase metade do globo terrestre”, e pede aos portugueses que continuem a ser “faróis da fé cristã e orgulhosos da vossa nação”.

Como acolheu esta nomeação para o Colégio Cardinalício? O Santo Padre falou consigo antes ou foi uma surpresa?

A minha nomeação para o Colégio Cardinalício veio como uma surpresa das mais inesperadas. Nunca me vi, nem em sonho, como candidato ao cardinalato e fiquei mesmo boquiaberto quando me apresentaram o Santo Padre a pronunciar o meu nome da janela do Palácio Apostólico, como um dos nomeados.

Qual é para si o significado desta nomeação?

Para mim, esta nomeação representa um chamamento a uma maior responsabilidade no serviço da Igreja e a uma colaboração mais significativa e pessoal com o Santo Padre e com os vários Dicastérios que o assistem no exercício do seu árduo ministério petrino.

Goa é uma das dioceses mais antigas da Ásia. Como é que define a sua Igreja?

Não há dúvida de que a Igreja de Goa exerceu um papel preponderante na proclamação do Evangelho pelas terras do Oriente, graças à grandiosa obra missionária levada avante por intrépidos homens e mulheres de fé, particularmente nos séculos XVI, XVII e XVIII. É consolador que, ainda hoje, muitos filhos e filhas de Goa, dispersos pelos quatro cantos do mundo, continuam a dar um grande testemunho da sua fé e a exercer um papel de liderança na vida e na missão da Igreja.

Que desafios enfrentam hoje os cristãos na Índia? É difícil ser católico num país onde o cristianismo é minoritário?

Vivemos num mundo caracterizado pelo secularismo, materialismo, consumismo, etc…, com o seu inevitável impacto sobre a vida e a vivência cristã. Viver como cristão na Índia apresenta o mesmo tipo de problemas e desafios. Acresce o facto de que somos um grupo bastante minoritário nesta nação-gigante de quase 1,5 mil milhões de habitantes. Não haja dúvida de que a Igreja Católica, apesar de representar um pouco menos de 2% da inteira população indiana, tem prestado um notável serviço à nação através da sua imensa rede de instituições de educação, saúde e acção social.

No entanto, é de lamentar que está a tornar-se cada vez mais difícil continuarmos a exercer este serviço à nação e à Igreja da Índia, devido ao ambiente desfavorável e ainda hostil que se vai criando ao nosso redor, particularmente, em certas áreas geográficas mais sensíveis.

O que mais o preocupa?

Talvez as mesmas realidades que deixam preocupada a Igreja universal, face à sociedade de hoje: o materialismo e, até certo ponto, o secularismo que sorrateiramente vai criando novas prioridades na vida dos nossos fiéis, levando-os a relegar a sua vida de fé para um plano menos importante, criando, entre eles, uma atitude de indiferença e até, algumas vezes, hostilidade para com o clero e para com a Igreja institucional.

E o que mais deseja?

O meu desejo seria que os nossos fiéis se esforçassem por apresentar, como uma verdadeira comunidade de discípulos de Cristo, uma imagem de uma Igreja que acolhe todos, particularmente, os que vivem na periferia e, assim, reflectir a visão do nosso Santo Padre Francisco. Ou seja, a de uma comunidade sinodal, que segue caminhando, escutando-se uns aos outros, promovendo uma participação mais activa na vida eclesial e com os olhos postos na missão da Igreja, que é compartilhar a Boa Nova do reino de Cristo com a humanidade de hoje, servindo-se sempre de meios cada vez mais efetivos e criativos.

Como olha para Portugal?

Quando penso em Portugal, penso logo na grande dívida de gratidão que nós, goeses, temos contraído com aquela grande nação que nos deixou a preciosíssima herança de fé cristã e que depois ficou difundida pelo resto do Oriente, através da nossa pequena Goa.

Quando penso em Portugal, também penso nas multidões que tive o privilégio de presenciar quando fui convidado a presidir às celebrações de Fátima, em outubro de 2014. O fervor daquela gente toda que lá acorreu, de todos os cantos de Portugal e do resto do mundo, alguns deles caminhado grandes distâncias a pé e desafiando as intempéries dos elementos.

Em Goa também há procissões em honra de Nossa Senhora…

Sim, a 13 de outubro, temos sempre procissões, não só em Panjim mas em diferentes paróquias.

Quer deixar alguma mensagem para os portugueses?

A minha mensagem para os portugueses, sobretudo aos portugueses católicos, é a seguinte: continuai a ser faróis da fé cristã, orgulhosos da vossa nação que, apesar do seu minúsculo tamanho, irradiou a fé cristã por quase metade do globo terrestre. Sê-de zelosos discípulos missionários de Cristo, assim como o nosso Santo Padre Francisco quer que todos sejamos. Bem hajam!