A visita que o Papa Francisco inicia esta quarta-feira - ao Quénia, Uganda e República Centro Africana, é a sua primeira a África, o continente que Bento XVI considerou “o pulmão espiritual do mundo”, e acontece a poucos dias de se iniciar o Ano Santo da Misericórdia. São acontecimentos que para o provincial dos Missionários Combonianos, padre José Vieira, estão definitivamente ligados.
O responsável dos combonianos, que têm uma importante presença na República Centro-Africana, considera que o jubileu é uma “iniciativa muito oportuna”, porque mostra a atenção do Papa ao momento difícil que vivemos, em que “é preciso trazer Deus de novo para a praça pública, revelar este Deus misericordioso que ama todos porque é Pai de todos, independentemente de credos ou cores”.
O padre José Vieira considera, por isso, que um dos gestos mais significativos desta viagem será dado se o Papa conseguir, como pretende, abrir a primeira Porta Santa do Jubileu em Bangui, no próximo domingo, uma semana antes da abertura oficial no Vaticano: “Este gesto de ir visitar um dos focos da tensão na África, que é a República Centro Africana, e querer abrir aí a primeira porta do Ano Jubilar, na catedral de Bangui, dia 29, será muito importante. Numa sociedade tão fragmentada, tão violenta, falar da misericórdia, reunir-se com muçulmanos, cristãos, com os irmãos protestantes, com as religiões tradicionais, e abrir esta porta é dos gestos mais bonitos e antecipa o próprio Ano da Misericórdia, que começa no dia 8 de Dezembro”.
“Ainda há duas semanas, um colega meu, um missionário ugandês que está na Missão de Fátima, em Bangui, pôs cá fora um comunicado a dizer que ninguém lhes presta atenção", conta o provincial dos combonianos. Os relatos que chegam aos combonianos em Portugal dão conta de uma violência sem sentido, que continua a alastrar. “O último episódio começou quando os cristãos roubaram uma motorizada a um muçulmano e os muçulmanos tentaram recuperar a motorizada. Na refrega, morreram dois ou três jovens muçulmanos e aquilo espoletou uma vingança da comunidade radical muçulmana contra os não muçulmanos”.
A missão, entretanto, está segura. “Tem lá soldados das forças de manutenção de paz, mas o bairro onde está a missão está todo a ferro e fogo, está tudo saqueado, queimado”. As últimas informações sobre a situação no país não são muito animadoras: “Há muita tensão na cidade, os jovens muçulmanos continuam a atacar, queimar, a destruir e a matar impunemente. Num ambiente destes um atentado é a coisa mais fácil de organizar."
E se a visita do Papa acabar por não se concretizar? “Para as pessoas, será uma grande desilusão, porque o Papa ir visitá-los significa que a comunidade internacional finalmente toma nota do seu sofrimento.”
Portuguesa no centro de África
Na República Centro-Africana estão vários combonianos. Há poucos dias partiu para o país uma leiga missionária portuguesa, para se dedicar ao trabalho com os pigmeus, uma das missões em que a congregação está envolvida, embora com cada vez menos gente. “A Maria Augusta já lá tinha estado entre 2008 e 2010. Voltou agora. Tem um trabalho interessante com os pigmeus nos campos da saúde, da educação, e da evangelização”, conta José Vieira.
O padre comboniano explica que, por serem “um povo pequeno, de baixa estatura, que vive na floresta, é marginalizado. São os ‘últimos dos últimos’ lá e os leigos combonianos estão a fazer um trabalho muito bonito. Há mais de 10 anos que aquela missão é para dar assistência sobretudo ao povo pigmeu”.
Para José Vieira, a presença dos missionários nestes países continua a ser fundamental: “Primeiro, pela presença, porque vivemos em comunidades internacionais, homens e mulheres, com gente de África, da América Latina, da Europa, e, se nos conseguimos dar bem e trabalhar bem, isso em si é já um acto evangelizador, porque estamos a dizer que é possível conciliar as diferenças”. Depois, indica o padre Vieira, porque continuam muitas vezes a ser a única ajuda efectiva a quem mais precisa: “Normalmente, nestas situações de stress social, quem sofre mais é o povo pobre. As classes políticas e dirigentes não estão muito preocupadas com o que se passa nas aldeias e, então, são os missionários e a Igreja local que dão apoio à saúde, à alimentação, distribuindo comida, apoio à educação. Fazemos o que o Estado devia fazer e se demite."
O nosso plano de contingência é ficar
O padre José Vieira, que viveu muitos anos em Juba, no Sudão do Sul, reconhece que para os missionários nem sempre é fácil, nestes países, transmitir a fé cristã. Muitas vezes, arriscam a própria vida. “Um colega meu da República Democrática do Congo foi baleado há um mês, no Sudão do Sul. Regressava de ir levar um irmão ao aeroporto, três homens armados apareceram do meio do mato, abriram fogo sobre a viatura e ele foi atingido. Teve sorte, ficou com uma bala alojada no tórax, mas que não lhe tocou em nada vital, e conseguiram extraí-la”, relata. Está a recuperar bem, garante.
“Nós vivemos nestas situações de periferia. Eu dizia, às vezes, a brincar, quando estava em Juba, e perguntavam ‘qual é o vosso plano de contingência para evacuação, no caso de haver problemas?’: ‘O nosso plano de contingência é ficar aqui, porque nós somos missionários, não viemos cá ganhar a vida e quando temos medo fugimos. Nós viemos cá para viver o Evangelho com esta gente, e vivemo-lo na alegria e também nas situações de tensão.'"
A entrevista ao padre José Vieira foi transmitida no programa “Princípio e Fim” do último Domingo. O provincial dos Missionários Combonianos foi eleito, há uma semana, presidente da CIRP, a Confederação dos Institutos Religiosos de Portugal.