Os juízes portugueses estão irritados com o primeiro-ministro, pelo facto de António Costa se referir "sistematicamente" ao processo judicial que envolveu o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente como “o irritante” entre Lisboa e Luanda.
"Chamar, sistematicamente, a um processo de irritante corre o risco de se tornar irritante, porque os processos têm o seu desfecho próprio", declara o presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Soares, à Renascença.
"Temos que perceber que um conflito político ou diplomático tem que ter uma resposta política ou diplomática. Se há problemas entre dois Estados, pois os Estados que os resolvam, de acordo com os mecanismos que têm. Se o problema é um problema judicial qualquer, o que é de esperar é que tenha resposta dentro do tribunal, de acordo com o que são as regras do processo e com os tempos do processo", acrescenta Manuel Soares.
"Esse problema teve um determinado desfecho e o desfecho parece que deixou de ser irritante numa certa perspectiva e podia ter sido ao contrário", nota.
O caso que esteve na origem da polémica entre Lisboa e Luanda resulta do facto de as autoridades judiciais portuguesas terem pretendido levar a julgamento o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente, sob a acusação de ter subornado o procurador do Ministério Público, Orlando Figueira, pagando-lhe mais de 740 mil euros para que ele arquivasse dois processos que tinha em mãos contra ele. Processos nos quais era investigado por suspeitas de branqueamento de capitais.
Relação envia processo para Luanda
As autoridades angolanas recusaram-se sempre a notificar Manuel Vicente, alegando que beneficiava de imunidade e reclamaram, desde o início que o processo contra ele fosse separado dos restantes arguidos e transferido para Angola.
No entanto, a Procuradora Joana Marques Vidal sustentava o argumento de que Manuel Vicente nunca chegaria a ser julgado em Luanda porque beneficiaria de uma lei da Amnistia. O juiz de primeira Instância deu-lhe razão e a defesa de Manuel Vicente recorreu, então, para o Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu entregar o processo às autoridades de Luanda considerando que, se não o fizesse, iria trazer “uma incerteza ao destino do processo”.
Os juízes desembargadores admitiam, no despacho, que o ex-vice-presidente de Angola poderia beneficiar de amnistia, mas invocavam o seu direito de gozar do “regime jurídico mais favorável”. Por outro lado, se o caso contra ele permanecesse em Portugal e fosse declarada a sua contumácia, isto é, a ausência deliberada perante o juiz, o acórdão considerava que seria “com pouca probabilidade de êxito”.