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A polémica do caso de justiça que está a agravar as relações entre Portugal e Angola pode subir de tom na segunda-feira, dia para que está marcado o início do julgamento do processo em que o antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente é um dos quatro arguidos.
O julgamento vai decorrer no Tribunal Judicial de Lisboa, que poderá proceder à separação de processos, iniciando o julgamento dos outros três acusados e declarando Manuel Vicente contumaz (aquele que recusa comparecer perante o juiz).
Decorre da declaração de contumácia, a emissão de um mandado de detenção internacional contra o ex-presidente angolano.
Manuel Vicente é suspeito de ter corrompido, com mais de 700 mil euros, um procurador português, para que arquivasse um outro processo em que também era investigado.
A justiça portuguesa quer julgar o antigo governante angolano, mas as autoridades de Angola recusam notificar o seu ex-vice-presidente e número um da Sonangol, alegando que beneficia de imunidade. E reclamam que o processo seja transferido para Angola.
Mas a Procuradora Joana Marques Vidal entende que Manuel Vicente nunca chegaria a ser julgado em Luanda, porque beneficiaria de uma lei da Amnistia. E como não confia na justiça angolana, recusa a transmissão do processo.
O juiz de primeira instância deu-lhe razão e a defesa de Manuel Vicente recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa. O recurso foi apresentado por estes dias e ainda não há decisão.
O caso foi debatido no programa Em Nome da Lei deste sábado, onde Fernando Neves, antigo embaixador de Portugal em Luanda, afirmou que “este caso pode atingir a maior gravidade”.
O diplomata diz não perceber a posição do Ministério Público, uma vez que as últimas declarações do Presidente de Angola, João Lourenço, “afastam a possibilidade de Manuel Vicente poder beneficiar de imunidade”. E lembra que o novo Chefe de Estado angolano pediu o reenvio do processo a Luanda, para Manuel Vicente “poder lá ser julgado”.
Fernando Neves considera, por isso, que o facto de a justiça angolana não merecer a confiança da portuguesa só pode ser visto como uma ofensa. Portugal tem uma “obsessão em relação a Angola. Mas o país tem de se convencer, de uma vez por todas, que não tem nenhum direito de tutela sobre a sua antiga colónia, que hoje é um Estado soberano”, sublinha.
O socialista João Soares, outro convidado do programa e conhecido simpatizante da UNITA, admite que o regime angolano está a dar sinais de grande mudança, mas percebe as razões de princípio da justiça portuguesa. Ainda assim, afirma que, “em termos políticos, é um caminho sem saída”.
O penalista Paulo Saragoça da Matta explica, por seu lado, que quando se diz que o Ministério Público não confia na justiça angolana, não é bem assim. “O que acontece é que o sistema judicial angolano não deu ao português garantias suficientes de que vá haver um processo criminal contra Manuel Vicente, em Luanda”, destaca.
O advogado penalista desvaloriza o facto de a consequência prática de não remeter o caso para Angola seja a justiça portuguesa nunca conseguir julgar em Portugal Manuel Vicente. Na opinião de Saragoça da Matta, o Ministério Público” tem fundamentos para a sua decisão. E é um exercício da sua soberania”.
“Não há valores absolutos e a Justiça também não é um valor absoluto”, lembra, admitindo que “razões de Estado possam justificar que o caso Manuel Vicente não fosse investigado. Mas para isso, teria de ser criada uma lei semelhante à que existe para o Segredo de Estado”.
O caso Manuel Vicente, os contornos jurídicos e as suas implicações político-diplomáticas no relacionamento entre Portugal e Angola são o tema da edição deste sábado do programa de informação Em Nome da Lei, emitido na Renascença entre as 12h00 e as 13h00.
Na próxima semana, deverão ser conhecidos novos episódios do caso.