Cientistas restauram células de órgãos vitais de porcos mortos
03-08-2022 - 19:44
 • Rosário Silva

A nova investigação está a originar questões e dúvidas sobre o que, verdadeiramente, se sabe sobre a vida e a morte.

Um grupo de investigadores da Universidade de Yale, nos EUA, conseguiram restaurar as células de órgãos vitais de suínos, como o cérebro ou o coração, mortos há pelo menos uma hora, conseguindo restabelecer o seu funcionamento.

Os resultados desta nova tecnologia, chamada OrganEx, foram publicados esta quarta-feira na revista científica “Nature”, mas levantam profundas questões éticas sobre a forma como a medicina define a morte. Por outro lado, esta descoberta abre a porta a novas possibilidades para a recolha de órgãos humanos para transplante.

Surpreendidos, os especialistas consideram os resultados “verdadeiramente notáveis” e “incrivelmente significativos”.

A investigação está numa fase inicial, sendo expectável que passem ainda muitos anos até que esta experiência possa ser realizada em humanos.

“Poderá, em última análise, ajudar a prolongar as vidas de pessoas cujos corações deixaram de bater ou que sofreram um AVC. A tecnologia também mostra potencial para mudar drasticamente a forma como os órgãos são recolhidos para transplante e aumentar a sua disponibilidade para os pacientes necessitados”, referem cientistas NYU Grossman School of Medicine.

A verdade é que, quando o fluxo sanguíneo para o coração é reduzido, impedindo que ele receba oxigénio suficiente, ocorre aquilo a que os médicos chamam de “isquemia cardíaca”. Ora, sem oxigénio e sem nutrientes, as células começam a morrer, provocando danos irreversíveis ou até mesmo a morte, no caso de não se agir a tempo.

A nova investigação desafia essa ideia: "O desaparecimento das células pode ser travado", referiu Nenad Sestan, professor de neurociência da Universidade de Yale e autor da nova descoberta, durante uma conferência de imprensa, garantindo que foram “restabelecidas algumas funções das células, através de múltiplos órgãos que deveriam ter morrido".

Os investigadores conseguiram este feito construindo “um sistema de bombas, sensores e tubos que se ligam às artérias dos porcos”.

Por outro lado, desenvolveram uma fórmula com mais de uma dezena de “medicamentos que podem ser misturados com sangue e depois bombeados para os sistemas cardiovasculares dos animais”, foi sublinhado.

Na verdade, esta investigação baseia-se em trabalhos anteriores, da mesma equipa, que demonstraram que alguns danos nas células cerebrais podiam ser reversíveis após o corte do fluxo sanguíneo.

Yale registou, inclusive, uma patente para a nova tecnologia, apesar de “disponibilizar livremente os seus métodos e protocolos para uso académico ou sem fins lucrativos”, diz o estudo.

OrganEx tem desempenho semelhante ao ECMO

Para avaliar como funciona o novo sistema, chamado OrganEx, os investigadores provocaram paragens cardíacas em porcos que tinham sido anestesiados. Os animais estiveram mortos durante, pelo menos, uma hora e os cientistas arrefeceram os seus corpos e utilizaram inibidores neurais para garantir que os animais não recuperassem a consciência durante as experiências subsequentes.

Depois, começaram a utilizar o novo sistema, cujo desempenho comparam com o ECMO, uma tecnologia de suporte de vida utilizada nos dias de hoje, nos hospitais para oxigenar o sangue e fazê-lo circular por todo o corpo. O OrganEx restaurou a circulação e restaurou as células danificadas.

Apesar de ter sido feito em ambiente de laboratório, com controlo total sobre as circunstâncias da morte e tratamento dos suínos, os cientistas consideram os resultados “notáveis”, que abrem novas possibilidades à ciência e acalentam esperança no eventual prolongamento da vida, em situações até agora consideradas impossíveis.