Gosto de viajar. Gosto muito de viajar. Mas, sobretudo, gosto de poder viajar. Não me importo que me mandem ficar em casa, mas detesto que não me deixem sair do meu país. Quando, esta quinta-feira, ouvi a ministra Mariana Vieira da Silva apelar ao auto-confinamento e dizer que os portugueses estavam em geral obrigados a ficar por cá, senti-me assim como que com uma espécie de claustrofobia pouco patriótica.
Há cerca de um ano, cheguei a planear uma viagem a Praga e a Dresden (sim, são perto, dá para ir de comboio). Ia aproveitar as ‘férias’ do Carnaval; felizmente, não a cheguei a marcar. Para as férias da Páscoa, ainda tive fantasias com uma volta por Bruges, Antuérpia e Gant e, talvez, um regresso pela Normandia.
No Verão, cheguei a pensar ir ao Sul de Espanha. Sevilha, Cádis, Granada, Córdoba …Parar em Beja à ida, em Estremoz no regresso. Não passei da piscina no quintal com os meus sobrinhos.
Nas férias de novembro (sim, costumo tirar férias em novembro) apetecia-me ir a Paris ou Roma. Cogitei ir ao Douro, achei melhor uma volta pelo Alentejo e acabei por me consolar com visitas ao Centro de Interpretação da Batalha do Vimeiro, ao Museu de S. Roque e ao Museu do Azulejo.
Por estes dias, por causa do meu amigo João Pedro que é maluco por barquinhos, tenho tido vontade de voltar à Cidade do Cabo, por onde passaram (ao largo) os barcos da Vendée Globe (uma volta ao mundo em vela solitária). E dão-me ganas de ir até à Nova Zelândia, um país que está praticamente covid-zero, onde multidões sem distanciamento e sem máscara passam belas tardes soalheiras a ver barcos a voar na Taça América.
Contudo, a Mariana Vieira da Silva veio estragar-me os planos. Sim, eu sei que não devia ir, mas podia fazer planos. E para voltar a fazer planos preciso da colaboração de todos, da responsabilidade de todos.
No início deste ano, apanhei um susto. Era só uma constipação, mas decidi ser responsável, coisa que nem sempre sou, e cumpri as instruções da vigilância ativa a que fiquei sujeita: ficar em casa, monitorizar sintomas, falar todos os dias com a enfermeira do centro de saúde. Sem falsas modéstias ou moralismos, senti que o estava a fazer não por mim, mas pelos outros; a possibilidade de contagiar alguém é assustadora.
Claro que sou uma privilegiada: vivo sozinha numa casa grande com alpendres e quintal, posso ficar em teletrabalho e até entrar em direto à distância, tenho comida em casa e, se não tiver, posso encomendar.
Há quem precise de ir trabalhar para ter comida na mesa, o desespero e incumprimento desses eu compreendo. O que não compreendo é quem, com possibilidade de não o fazer, desrespeite todas as instruções que deveríamos ter interiorizado desde há dez meses. Não compreendo quem tenha sintomas ainda assim vá participar numa noite eleitoral ou noutro ajuntamento; não compreendo quem tenha um familiar infectado em casa e vá trabalhar porque já fez teste e deu negativo; não compreendo quem esteja doente e tenha mandado os filhos pequenos à escola; não compreendo quem vá às compras com crianças pequenas só porque é isso que é costume fazer ao sábado à tarde e pode-se sair para ir às compras ….
Onde é que perdemos a responsabilidade? Onde é que perdemos a sensibilidade? Não há números de infetados, internados ou mortos que nos arranquem do egoísmo de fazermos o que queremos ou nos apetece?
Estamos cansados, claro que estamos. Mas eu quero ir à Nova Zelândia. Vejam lá se atinam.