Perceber antes de culpabilizar. A especialista em psicologia clínica Rute Agulhas considera que, antes de se produzirem quaisquer juízos sobre o caso da jovem de 22 anos detida esta sexta-feira por ter abandonado o filho num caixote do lixo, é necessário perceber as razões que levam alguém a cometer esse crime.
Questionada pela Renascença sobre o que pode levar uma mãe a abandonar um recém-nascido naquelas condições, a especialista pediu que se abandonasse uma visão redutora da situação e para que não se condene antes de se conhecerem todos os contornos do caso.
"É necessária alguma cautela com os juízos de valor um bocadinho precipitados e com as condenações públicas que se fazem 'à priori', sem se conhecer os contornos do caso. Este caso tem que ser avaliado e pode ser uma leitura um bocado simplista pensarmos que poderá ser apenas uma questão social - de miséria, de pobreza - ou uma questão moral", explica a especialista. "Essa será uma visão sempre redutora da situação", ressalva Rute Agulhas.
"Podemos ter aqui um quadro de problema a nível de saúde mental, podemos ter até uma situação psiquiátrica", lembra a professora do ISCTE-IUL, que entende que há um problema de acompanhamento da saúde mental dos portugueses, e em especial na população que está sem abrigo. "Sabemos que há uma prevalência deste tipo de problemáticas nos sem-abrigo, associada também a consumos", ressalva ainda. “Outra intervenção, a nível da saúde mental, social, deve ser pensada”, pede.
O Estado falhou a esta mulher?
De acordo com a informação da Polícia Judiciária, a progenitora é uma mulher de 22 anos que “vivia em condições precárias na via pública”. Segundo a mesma fonte, a mulher não tem antecedentes criminais e terá agido sozinha.
Para Rute Agulhas, isto poderá ser um claro sinal de que algo falhou. "Esta rapariga, alegadamente com 22 anos de idade, é uma jovem adulta. Bem há pouco tempo era uma adolescente. E antes disso foi uma criança. É preciso pensarmos em que medida é que o próprio sistema é capaz de dar resposta. Onde é que esta jovem estava quando era adolescente? Esteve acolhida? Com a família? Havia alguma problemática que não foi identificada de forma atempada? Como é que uma jovem tão nova está nesta situação tão limite?", questiona a especialista.
"Temos que ter aqui um olhar mais sistémico e pensar a nível mais comunitário e não ter só a urgência de criminalizar ou responsabilizar", ressalva a especialista.