É mais um passo na consolidação da vida consagrada na Diocese de Bragança-Miranda. Depois da fundação do Mosteiro Trapista Santa Maria Mãe da Igreja, em Palaçoulo, Miranda do Douro, está a renascer a Vida Eremita Diocesana.
São já três eremitas, duas portuguesas e uma espanhola. Cada uma em seu eremitério. O Eremitério Diocesano Nossa Senhora do Rosário começou em S. Pedro da Silva e agora está em Palaçoulo, no concelho de Miranda do Douro. O Eremitério Diocesano Nossa Senhora da Esperança encontra-se em Freixiel, Unidade Pastoral Senhora da Assunção, concelho de Vila Flor, e o Eremitério Sagrado Coração de Jesus está em Palaçoulo, mas prevê-se que possa mudar para outro local da diocese.
“Ao abraçarem o silêncio e a solidão, as eremitas encarnam na vida quotidiana o chamamento pessoal que cada uma recebeu dentro do estilo de vida eremítico e que as distingue entre si. Este é assumido como compromisso na Regra de Vida que cada uma concebe em resposta a esse chamamento e que assina no dia em que é instituído o eremitério que vai habitar, durante a Eucaristia celebrada no mesmo”, explica a Diocese de Bragança-Miranda.
Cada eremitério é um espaço sagrado, com capela e a presença do Santíssimo Sacramento, onde cada eremita se entrega à oração, à adoração, ao louvor e intercessão por toda a Igreja e pelo mundo.
Em entrevista exclusiva à Renascença, D. José Cordeiro, administrador apostólico da Diocese de Bragança-Miranda e arcebispo nomeado de Braga, explica que as eremitas vivem na busca do silêncio, da solidão, e são presença, tal como uma chama que não se apaga para expressar a vitalidade da busca incessante, de Deus no mundo de hoje.
Que significado tem para a diocese e para a Igreja em Portugal o ressurgir desta forma de vida?
A Igreja, além dos Institutos de Vida Consagrada, reconhece a vida eremítica ou anacorética porque é dos primeiros tempos. Um exemplo claro é Santo Antão, que celebramos no dia 17 de janeiro, considerado o pai da vida eremítica, não o primeiro cronologicamente, mas o grande eremita e o significado é da procura de um bem e até de um lugar mais apartado do mundo, no silêncio, na solidão, na oração assídua e na penitência consagrando a vida ao louvor de Deus e à salvação do mundo. E este renascer da vida eremítica entre nós, aqui na diocese ela também já existiu e temos muitos exemplares, muitos testemunhos históricos e arqueológicos até, mas hoje é um significado de uma redescoberta desta espiritualidade do silêncio, da solidão, do encontro numa vida mais profunda com Deus, mas não isolada, porque o ser eremita diocesano é ter esta perspetiva alargada da eclesialidade, da eclesiologia de comunhão/missão.
Qual é o específico desta forma de vida consagrada e o que é que a distingue de todas as outras?
Segundo o Catecismo da Igreja Católica, a vida eremítica existe para manifestar o aspeto interior do mistério da Igreja que é a intimidade pessoal com Cristo. Aquilo que distingue do resto da vida consagrada é que não tem a vida cenobítica ou a vida comunitária. Elas não se fecham de todo. Tudo isto nasceu ao mesmo tempo que se estava a fundar o Mosteiro Trapista de Santa Maria Mãe da Igreja - esse, sim, de vida comunitária - mas com a exigência daquelas que estavam em ordem aos votos perpétuos, com a missa diária ou o acompanhamento diário também, a saída do seu próprio eremitério… Mas no eremitério tem também as condições que se lhes proporcionam, entre as quais uma pequenina capela, onde tem a presença do Santíssimo Sacramento. E no dia em que foi inaugurado o eremitério, foi celebrada a eucaristia. E, depois, ela é renovada na ligação com os párocos do lugar, onde cada uma se encontra. Mas esta é uma vida eremítica da relação, não apenas vertical, com Deus, mas horizontal, com os outros, porque na oração, na contemplação e, se quisermos, até para se poder entender um bocadinho melhor, elas fazem tudo aquilo que no mosteiro se faz, as sete horas diárias da liturgia e, para além disso, também têm outras devoções, mas só que o fazem na solidão e no silêncio do seu eremitério.
De que recursos é que vivem estas eremitas e com que recursos se alimentam, cuidam da sua saúde? Com quem podem contar?
As eremitas vivem do seu trabalho. E, num primeiro momento, algumas delas viveram mesmo da providência divina, porque tinham deixado tudo para abraçar esta vida. E vivendo do seu trabalho e da Providência, vivem a radicalidade dos conselhos evangélicos e o Evangelho vivido. Até há algumas que do seu próprio trabalho lhes sobra e dessa sobra também é preciso pensar o futuro, sobretudo na velhice, mas não é esse o objetivo, porque aquilo depois é partilhado com os que mais precisam. E prestam contas também ao bispo diocesano, mas, sobretudo, prestam contas a Deus e a si próprias, no cumprimento e na fidelidade de uma regra a que se comprometem.
O que pode atrair nos tempos de hoje um jovem ou uma jovem para a vida eremítica?
É uma vocação, é um dom de Deus, é uma graça e, como diz um autor italiano, ‘Deus não se merece, acolhe-se’. E hoje há cada vez mais pessoas a buscar a vida eremítica. Para se ter uma ideia, em Itália são mais de 300 eremitas diocesanos; em França são mais de 500. Até já há uma tese em teologia que estuda a vida eremítica no mundo e creio que, neste momento, são mais de 20 mil os eremitas em todo o mundo. Em Portugal está a renascer. E mesmo aqui na vizinha Espanha há muitas dioceses que têm já isto muito bem coordenado. E a vida eremítica é diferente do outro estilo de vida consagrada.
Esperamos também orientações da Santa Sé nesse sentido e penso que está para breve um documento a esse respeito, assim o aguardarmos, e esperamos, porque há muitos homens e mulheres e, sobretudo, de uma vida já resolvida e até profissionalmente já realizada ou em realização, que buscam depois esta radicalidade plena da vida na solidão, no silêncio, no trabalho… E como Santo Efrém também se expressava, aquele que celebra sozinho no deserto é uma assembleia numerosa. E temos tantos casos. E em breve será canonizado Charles Foucauld, que é um dos exemplos contemporâneos do eremita, ele é eremita no deserto.
Estas eremitas vivem junto das comunidades por várias questões, entre as quais também a de segurança e de saúde, mas, na busca desse silêncio e dessa solidão, são esta presença tal como uma chama que não se apaga, para expressar a vitalidade da busca incessante de Deus no mundo de hoje.