"Inesquecível", "vinho fresco para todos", "nunca tinha visto tanta gente em Aveiro". O último dia do Jamor dos pequenos por quem o viveu
19-06-2024 - 16:24
 • João Filipe Cruz

Há 25 anos, a final da Taça não teve grandes pela última vez. O Beira-Mar venceu o Campomaiorense e Bola Branca conversou com quem não se esquece.

"Estamos mais velhos." A reação é de Ricardo Sousa que, em conversa com Bola Branca, partilha como foi aquele dia 19 de junho de 1999. Há 25 anos, o Estádio Nacional do Jamor abriu-se, pela última vez, aos "mais pequenos". Beira-Mar e Campomaiorense deram novas cores à festa da Taça com os aveirenses a serem mais felizes que os campomaiorenses.

Ricardo foi o herói dos auri-negros com um golo ao minuto 70, o que bastou para a conquista inédita do clube.

"É indiscritível o sentimento que tenho por esse dia. Desde o pré-jogo até ao final do jogo, é um dia que jamais vou esquecer", assegura o antigo médio.

Ricardo não esquece o ambiente "como nunca viu" no Jamor, entre adeptos de clubes que "não eram grandes" e, muito menos, o momento em que decidiu a final.

"Estávamos a jogar com menos um jogador, mas senti que, de cada vez que passávamos os meio-campo, os meus colegas incentivavam-me a arriscar e foi o que aconteceu. Houve um livre lateral, o Fusco passou-me a bola e acabei por ter alguma sorte. Passei por três, quatro ou cinco jogadores e fiz o golo", conta o antigo camisola 28 do Beira-Mar.

E como podia melhorar num momento histórico? Festejá-lo com o treinador que, por acaso, é o pai. Ricardo Sousa era orientado por António Sousa, antigo internacional e campeão europeu com o FC Porto. O técnico admite a Bola Branca que o momento foi especial a dobrar.

"Vivi de uma forma diferente e, se calhar, duas vezes, como pai e treinador. Não é normal que isto aconteça. Pai e filho na mesma equipa e ser o próprio filho a fazer o golo que permitiu a conquista dessa Taça de Portugal", confessa o antigo médio que também passou, como jogador, pelo Beira-Mar.

Já do lado dos de Campo Maior, o sentimento não podia ser mais diferente. A braçadeira de capitão pousava no braço de Isaías, que até já tinha viagem para o Brasil marcada para o dia seguinte, onde terminou a carreira. Também à Bola Branca, o antigo avançado não esquece a desilusão.

"É uma lembrança triste. Não conseguimos ganhar a Taça e tínhamos condições. Não digo que eramos melhores, mas um detalhe ou outro deitaram tudo a perder", lembra o antigo atleta que passou também pelo Benfica.

O Jamor pintado com cores diferentes e viagens de regresso antagónicas

Há 25 anos houve de tudo. Até um camião de vinho. Literalmente.

"Lembro-me muito bem que o nosso presidente levou para o Jamor um camião-pipa, abarrotado de vinho. E pessoal que estava ali acampado, por baixo das árvores, degustou o vinho fresquinho que o presidente João Manuel [Nabeiro] proporcionou", recorda Isaías.

O Alentejo "desceu em peso" não só Rio Maior, de acordo com o antigo capitão. O ex-número 10 do Campomaiorense arrisca até que os seus adeptos estavam "em maior número" no Estádio Nacional.

Durante o jogo, os adeptos fizeram a sua parte e, depois do soar do apito final, os sentimentos eram, naturalmente, díspares. Se os de Aveiro deram largas à felicidade, os de Rio Maior não esconderam a desilusão, nem mesmo do capitão.

"A tristeza maior foi no regresso. Quando parávamos para tomar um café, encontrávamos 20 e 30 alentejanos tristes e desalentados. Olhava nos olhos das pessoas e vi-a a tristeza", reconhece Isaías.

Se o regresso dos vencidos foi cabisbaixo, a chegada dos vencedores foi apoteótica. O filho Ricardo "nunca tinha visto tanta gente em Aveiro" e o pai António confessa que é uma das memórias a que mais se agarra.

"Sentimos alegria nas pessoas que estiveram presentes e, mais tarde, em Aveiro, na nossa chegada, com uma multidão enorme na praça do Rossio. São estes momentos que continuamos a recordar com orgulho e prazer", descreve António Sousa.

E agora? Será possível voltarmos a ver mais finais entre "pequenos"?

A final da Taça de Portugal fez-se sem "grandes" apenas em seis ocasiões. A festa da Taça, essa prova tão democrática que, apesar dos rótulos, também pende para a presença de verde, vermelho e azul e branco.

Sobre a possibilidade de o Jamor voltar a receber outros Beira-Mares e Campomaiorenses, as opiniões dividem-se.

Se Isaías se agarra "à cada vez maior competitividade das equipas pequenas" e lembra que os grandes passaram grandes dificuldades esta época contra emblemas com orçamentos mais humildes, a dupla de heróis de Aveiro discorda.

Ricardo e António Sousa não conseguem ignorar o fosso "cada vez maior" entre os grandes e os "outros", e sublinham que "as meias-finais a duas mãos dificultam ainda mais" o cenário.

Com ou sem grandes, a festa da Taça continua a ser verdadeiramente isso, uma festa. Se vão passar mais 25 anos sem vermos as portas do Jamor abrirem-se aos não tão hegemónicos, não sabemos. Valham-nos os que fugiram à regra e não deixam que o tempo faça apagar a história.

"É a paixão do futebol. O tempo passa, nós envelhecemos, mas as lembranças ficam, para falarmos e sorrirmos", finaliza Isaías.