A propósito da apresentação da proposta de Orçamento de Estado para 2022, compreende-se a intenção do Governo de evitar que uma subida dos salários, para fazer face ao aumento de preços de alguns bens essenciais, nomeadamente energia e bens alimentares, venha a agravar ainda mais as tensões inflacionistas.
É verdade que a inflação em si própria, desde que não saia fora de controlo e desde que os diversos tipos de rendimentos subam em conformidade, não tem em geral efeitos muito perniciosos sobre a evolução económica. Mas quando não se dispõe de moeda própria, portanto sem política monetária-cambial própria, um processo inflacionista superior aos nossos parceiros da moeda única (o que, no entanto, não é ainda o caso) pode provocar uma perda de competitividade externa e aí, sim, já existirá um impacte económico negativo. Daí a compreensão pelas tentativas de evitar uma aceleração da inflação.
Mas estas tentativas não poderão significar estagnação ou quase nos salários, quer do sector público quer do sector privado. Os números que conhecemos levam a considerar que tal estagnação seria excessiva e injustamente gravosa para os rendimentos salariais. Vejamos. Os economistas estão em geral de acordo que a evolução dos salários reais (ou seja, dos salários corrigida pelo aumento dos preços), deve prosseguir a uma taxa de crescimento igual à taxa de crescimento da produtividade (também aqui descontado o aumento de preços). Se os salários não aumentarem em 2022, teremos neste ano uma quebra dos salários reais da ordem dos 4% enquanto a produtividade a preços constantes, dada a previsão de crescimento do PIB, deve aumentar também cerca de 4%. Isto significaria que a evolução dos salários reais ficaria 8% abaixo do crescimento da produtividade, o que é inaceitável.