Para as esquerdas, só existem dois Portugais: um democrata e outro fascista. O primeiro é o delas, sempre enamoradas de si mesmas, na arrogância da sua “superioridade” moral; o outro é o das direitas - todas as direitas. Apesar do assomo de lucidez de Pedro Nuno Santos na noite eleitoral, respondendo ao grito socialista de “Fascismo nunca mais!” com o reconhecimento de que não há 18% de racistas, xenófobos ou fascistas em Portugal, o facto é que foi assim que o “democrata” Augusto Santos Silva tratou o Chega, foi esse papão que insuflou António Costa e foi essa retórica (a de que toda a direita - CH, AD e IL - era “radical” e “perigosa”) que Pedro Nuno, Mortágua, Raimundo e Tavares usaram na campanha eleitoral.
O problema das esquerdas em Portugal, acentuado pelo amargo de 10 de março, é que descortinam fascismo em quem quer que não concorde com elas. Ora, a diferença de opinião é uma manifestação democrática de alteridade de visões: não é um insulto, um atentado, uma ofensa, um disparate ou uma alienação. Do alto das suas “poderosas” bancadas parlamentares (que cabem, juntas, num minibus), Mortágua, Raimundo e Tavares acham sempre que a direita não pode governar. Mas o povo - que é, segundo eles, quem mais ordena - ordenou que existam 135 deputados de direita (48 deles do CH). É a vida, porque é o povo quem mais ordena! E o direito de a direita governar - em qualquer democracia adulta - não é a esquerda que o concede. A não ser que a esquerda portuguesa de 2024 seja como o Partido Republicano de Afonso Costa: se os portugueses o vitoriavam eram um “bom povo”; se o apupavam eram uma “canalha” ao serviço dos padres e dos talassas!
Não - o fascismo não está nas vozes dos 48 deputados do CH ou nas mãos do milhão e cem mil portugueses que votaram em Ventura. Está nas cabeças de todos aqueles que, no fundo, odeiam os muitos que votaram CH. Ventura é um populista, muitas vezes um demagogo, um “catch-all” que fareja nichos de protesto e cujo talento retórico arrancou à abstenção muitos dos alheados que o sistema democrático já não atraía. Precisamos, todos, de pensar o que andou a fazer o regime. Todavia, a diabolização de um partido cujo programa pode ser muita coisa, para muita gente, mas não é fascista, é o pior dos caminhos para racionalizarmos a política portuguesa.
A História mostra que qualquer partido fascista com um milhão e cem mil apoiantes num país de dez milhões de habitantes assaltaria o poder; não concorreria a eleições - ou fá-lo-ia exibindo já clara força intimidatória. A estratégia da esquerda em multiplicar fascistas em todas as esquinas onde se mexem pessoas que não são de esquerda presta um péssimo serviço à inteligência e à política. À primeira, porque revela ignorância ou generalização conceptual abusiva; e à segunda porque, de tanto vulgarizar o conceito-insulto, tribaliza o debate, persiste em estigmatizar como transviados os portugueses que não votam na esquerda e enfraquece a democracia para o dia em que ela possa vir a confrontar-se com uma força realmente fascista.
Há dias apareceu pintada num muro da Universidade Nova de Lisboa a frase «Faculdade progressista não paga salário a fascista». Não conheço nenhum dos dois docentes visados por aquele auto-de-fé verbal. Parece que um deles terá proferido uma piada machista e o outro expendido doutrina pró-americana. Mas o machismo, posto que boçal, não é fascista; e apreciar positivamente a política americana é bem menos “fascista” do que tecer loas aos ditadores por quem a esquerda torce. Eis bons exemplos - entre outros, típicos da cegueira da esquerda - de como Einstein tinha razão ao declarar que duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana…