O ex-primeiro-ministro José Sócrates criticou PS e Governo pela aprovação do diploma relativo ao sigilo bancário, considerando que por trás do discurso do combate à fraude está uma perigosa concentração de poder nos organismos de Estado.
José Sócrates discursou no primeiro dia da Universidade de Verão, promovida pelo Departamento Federativo das Mulheres Socialistas (DFMS) da FAUL, intervenção na qual criticou o PS e o Governo pela aprovação do diploma que obriga os bancos a informar a Autoridade Tributária sobre a existência de contas de cidadãos portugueses ou estrangeiros residentes em Portugal com saldo superior a 50 mil euros até ao final de Julho de 2017.
"Mas o que me preocupa é que por trás do discurso do combate ao fisco [à evasão fiscal] está uma concentração de poder nos organismos de Estado que é perigosa para todos. Nós todos sabemos como o fisco é completamente indiferente aos direitos dos contribuintes. Queremos dar-lhe ainda mais poder", avisou.
Dizendo fazer esta crítica com "a devida vénia", Sócrates 'atirou' também aos partidos da direita.
"Mas afasto-me também de todos aqueles que com uma duplicidade moral que é absolutamente impressionante, criticam agora esta medida do Governo quando assistiriam durante quatro anos no Governo à transformação da autoridade tributária numa máquina de guerra contra os cidadãos que até lhes tirava as casas. Que autoridade têm eles para falar disso", condenou.
O ex-primeiro-ministro afirmou que "o PS no Governo acha que deve dar ao Estado, ao fisco, a possibilidade de ter acesso às contas bancárias de todos os cidadãos" e que diz que "é em nome do combate à fraude e à evasão fiscal".
"Diz até - coisa que desconheço - que é para cumprir uma directiva comunitária. Talvez então esta crítica deva dirigir-se mais à Europa do que ao Governo português", admitiu.
Quando introduziu este tema, o ex-primeiro-ministro disse que tinha prometido a si próprio não falar do processo que o envolve "não porque não seja um processo político", mas porque tem tempo para falar dele.
"Mas quero falar deste aspecto, dos poderes que cada vez mais estamos a dar ao Estado", explicou, naquilo que qualificou como uma "ligeira crítica ao PS e ao Governo".
O diploma aprovado em Conselho de Ministros, que ainda terá de ser apreciado pelo Presidente da República, adopta um conjunto de regras relativas ao acesso e troca automática de informações financeiras no domínio da fiscalidade, que resultam da transposição de uma directiva comunitária, mas estendem-se aos residentes em território nacional.
O anteprojeto de diploma do Governo foi alvo, em agosto, de várias recomendações da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), por "restrição desnecessária e excessiva dos direitos fundamentais à protecção de dados pessoais e à reserva da vida privada", tendo o Ministério das Finanças prometido acolher a generalidade das sugestões no documento final.