O Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), que agrega representantes de oito instituições públicas, lamentou esta quarta-feira a aprovação do curso de Medicina da Universidade Católica, entidade privada, alegando que houve cedência "a forte pressão de agentes políticos".
"Não contestando a decisão do órgão em causa, no respeito da sua autonomia, não podemos, contudo, deixar de, ao mesmo tempo, lamentar profundamente esta decisão, que entendemos não contribuir para o reforço do ensino médico e da prática médica em Portugal, antes pelo contrário", refere o CEMP em comunicado, reiterando que não está em causa a universidade.
A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) autorizou o curso de mestrado integrado de Medicina da Universidade Católica Portuguesa, o primeiro curso de Medicina a ser ministrado em Portugal por uma instituição privada. As aulas deverão começar em setembro de 2021.
Para o CEMP, "a forte pressão exercida por vários agentes políticos, ao mais alto nível (...), terá sido, seguramente, a razão principal da tomada de decisão".
O comunicado evoca "o consenso" entre o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas, a Associação Nacional dos Estudantes de Medicina e a Ordem dos Médicos, que "têm o conhecimento adequado sobre o ensino médico em Portugal", sobre "a não oportunidade" de um novo curso de Medicina.
"Não queremos a vulgarização e banalização do ensino médico e, sobretudo, a desadequação àquilo que são as reais necessidades do país", advoga o CEMP, acrescentando que "aumentar a oferta formativa em Portugal contribui apenas para engrossar o número de médicos indiferenciados, sem saída profissional, que não seja a emigração ou a sujeição a contratações por empresas de fornecimento de serviços indiferenciados".
"Tal só contribuirá para a descaracterização duma profissão, que se quer sempre regida pelos mais elevados padrões", invoca o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas, assinalando que a sua posição "não tem nada contra qualquer universidade, privada ou pública".
Ordem dos Médicos com reservas
Já a Ordem dos Médicos defendeu que a acreditação do curso de Medicina da Universidade Católica Portuguesa revela que a "esfera política prevaleceu sobre a esfera técnica", alertando para problemas que "colocam em causa a qualidade do curso".
"Tendo em consideração o condicionamento político prévio a que se assistiu nos últimos meses, e que oportunamente a Ordem dos Médicos lamentou, a decisão foi ao encontro do que era esperado, com a esfera política a prevalecer sobre a esfera técnica", refere a Ordem dos Médicos (OM), em comunicado.
No primeiro pedido de acreditação feito pela Universidade Católica (UCP), há cerca de dois anos, a OM foi uma das duas entidades que deram parecer negativo ao novo curso.
Os pareceres negativos das duas entidades levaram a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) a "chumbar" o primeiro pedido de acreditação.
A UCP voltou a apresentar novo pedido de acreditação que foi também alvo de avaliação pela OM, que enviou o seu parecer à A3ES em 14 de agosto e que hoje o tornou público.
"A Ordem dos Médicos, à semelhança do que aconteceu quando a UCP submeteu a sua primeira proposta, enviou o seu parecer à A3ES, deixando ao critério daquela agência a sua divulgação", é adiantado no comunicado hoje enviado às redações. "No entanto, confrontada hoje com declarações por parte do presidente da A3ES, em como o parecer da Ordem dos Médicos tinha sido positivo, e por tal não ser fiel ao que foi submetido, cumpre-nos repor a verdade."
A Ordem aponta reservas e reitera que "subsistem na proposta atual vários motivos de preocupação que colocam em causa a qualidade do curso".
No parecer, a OM reconhece que houve melhorias, mas considera que ainda subsistem "vários motivos de preocupação (...) que colocam em causa a qualidade da proposta de ciclo de estudos da UCP".
Um dos problemas apontados relaciona-se com os locais de estágio. A OM reconhece melhorias, nomeadamente um "contacto clínico mais completo", mas alerta para algumas situações como o caso dos alunos que vão fazer "todo o estágio de Ginecologia/Obstetrícia e Pediatria em unidades sem bloco de partos e maternidade", que estão previstos para os Hospitais da Misericórdia de Évora, Luz Setúbal, Luz Odivelas e Luz Torres de Lisboa.
No mesmo sentido aponta o estágio de Psiquiatria no Hospital Luz Arrábida, "que não tem internamento psiquiátrico, baseando-se apenas em consulta externa, coartando deste modo as possibilidades de contacto com muita da psicopatologia mais grave".
Outro dos problemas levantados prende-se com o Hospital Beatriz Ângelo (HBA), que tem sido gerido em regime de parceria público-privada pelo Grupo Luz Saúde, mas cujo contrato termina em janeiro de 2022.
Com um novo concurso público, poderá surgir uma nova entidade gestora. Para a Ordem, tal mudança é "uma enorme ameaça ao ensino clínico deste ciclo de estudos, dado que esta instituição de saúde é, indubitavelmente, aquela que reúne as melhores condições para assegurar um processo de ensino/aprendizagem com qualidade".
A OM defende, por isso, que só se deveria viabilizar qualquer proposta alicerçada nesta instituição depois de conhecido o resultado do concurso.
"O protocolo com a Universidade de Maastricht foi celebrado por nove anos, o protocolo com a Luz Saúde por 15 anos, e o da União das Misericórdias por seis anos. É, deste modo, evidente que a proposta apresentada não garante a realização de estágios clínicos em ambiente hospitalar do SNS, e que as dúvidas sobre a continuidade do HBA no projeto para além de 2021 têm todo o fundamento", conclui a OM.
Para a Ordem dos Médicos, a instituição deveria acolher as recomendações feitas no relatório para que "a proposta possa estar em condições de poder oferecer um ciclo de estudos integrado de Mestrado em Medicina com a qualidade aceitável e exigível a nível nacional".