Portugal vive "quase num analfabetismo financeiro" e o problema começa na escola, que não ensina os alunos nem a preencher uma declaração de IRS - "uma obrigação que todos temos". A crítica é de Bárbara Barroso, especialista em finanças pessoais e fundadora do laboratório de literacia financeira MoneyLab.
"Continuamos a perpetuar que as pessoas vivam nesta ignorância. Não sei se, efetivamente, há alguém a ganhar com isto ou não. Se calhar, há. Mantendo as pessoas pouco informadas, eu posso fazer o que quiser. Já temos na disciplina de Cidadania uma componente de educação financeira, mas ainda é voluntária e depois falta a formação dos professores. Não adianta dizermos que já temos nas escolas uma abertura para a educação financeira e depois não existe um programa de facto estruturado. É possível começar a educação financeira desde o ensino básico e fazer a diferença", sublinha.
Em 2020 e 2021, a literacia financeira dos portugueses estava em último lugar, entre os 19 países da zona euro, segundo o ranking do Banco Central Europeu (BCE). Em 2022, o país subiu para o penúltimo lugar, ultrapassando apenas a Roménia.
Eleita pelo Canal História a Nº1 da área das Finanças em Portugal, Bárbara Barroso admite que se as crianças e jovens "entendessem os princípios base de uma boa gestão financeira", a probabilidade de cometerem "erros básicos" em adultos seria menor. Mas esta não é a única explicação para o facto de hoje ser difícil para os jovens poupar e gerir as finanças pessoais, contribuindo para que o país seja também o sétimo da União Europeia onde as famílias menos poupam, de acordo com a Pordata.
"Há um problema de base: somos um país de baixos salários. Com o aumento da inflação, mas com os mesmos salários, não é preciso ser-se muito bom a matemática (...) Neste momento, os jovens já estão à procura de uma solução: estão a ter dois empregos para tentar aumentar a receita. Quando falamos em poupar só pensamos em cortar, cortar, cortar nas despesas que temos, porque é mais rápido e surge mais efeito. Mas chega um momento em que não dá para mais, muita gente já atingiu os mínimos olímpicos", alerta.
Segundo o estudo “Gen Z and Millennial Survey 2023”, divulgado em agosto pela consultora Deloitte, quase metade (44%) dos jovens entre os 19 e os 28 anos acumulam dois empregos para conseguirem honrar compromissos financeiros. Para os que conciliam o trabalho com os estudos, a tarefa é ainda mais difícil, admite Bárbara Barroso.
“O que vou observando é que os estudantes que trabalham fazem-no mesmo por necessidade e não por opção. E em Portugal não há muitos 'part-time': é uma grande diferença em relação aos outros estados-membros porque, para as empresas, não compensa. Se eu tiver mil euros de salário e dividi-lo por duas pessoas, o custo para a empresa aumenta: a rotatividade, o trabalho estar distribuído por duas pessoas... é mais complexo em termos logísticos e de custos. Não é à toa que muitos jovens portugueses trabalham em cadeias de hambúrgueres ou em call-centers, porque permitem os turnos, mas são trabalhos muito intensivos e depois torna-se difícil”.
Choque geracional: mais velhos não entendem opções financeiras dos filhos
Em Portugal, mais de 70% dos jovens continuou a viver em casa dos pais em 2022, sendo o terceiro caso mais grave entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Talvez por este motivo, sublinha Bárbara Barroso, esta geração opte por poupar mais "para ter experiências como viajar e ir a concertos", do que para ter uma casa, "opções que nem todos os pais, tios e avós entendem".
"É claro que os jovens gostariam de ter as duas coisas, mas perante o cenário de terem de esperar um ano, dois, dez ou vinte para ter uma casa, eles preferem viver a vida. Ou seja, já que o dinheiro é pouco, e eu não sei com que idade vou conseguir ter uma casa, ou sequer se quero viver cá, pelo menos vou ter as experiências. Para os mais velhos que fizeram muitos sacrifícios, como viver no campo, ter dois ou três trabalhos, não viajar ou não ver o mar, é difícil entender que um jovem não queira abdicar de ir ver o seu artista preferido e que aquilo seja o seu escape, a sua praia em agosto. Há um choque geracional", reconhece.
No entanto, para se poupar "temos de fazer sacrifícios", alerta Bárbara Barroso, que recorre às palavras do economista João César das Neves para deixar um aviso aos jovens: "Não há almoços grátis". "Se sabemos que a manta é curta, se não dá para ir a cinco concertos, vamos só a um. Ou então vamos fazer voluntariado ou trabalhar no concerto, porque conseguimos ver e ouvir. Eu fiz isso enquanto jovem". A este desafio, junta-se outro, mas para os pais: têm de aprender a dizer não.
"É claro que no subconsciente os jovens pensam 'disseram-me que sou a geração mais bem preparada, mas sou também a mais mal paga, onde é que eu falhei?' e os pais estão a tentar compensar os filhos, não é por mal, mas é um amor que pode não estar a ajudar. É uma geração de pais a pôr a almofada financeira. O 'não' é extremamente importante. É difícil dizer 'não', ninguém gosta, mas o 'não' é muito necessário e constrói carácter. Na questão da habitação, os pais já deram o coração todo, não conseguem dar mais."
Como podem os jovens poupar? Aqui ficam alguns desafios por ordem de dificuldade
Bárbara Barroso ainda era solteira quando começou a anotar todas as despesas diárias que tinha, fazia-o num caderno de receitas com quadriculado e que a remete para memórias com avó. Depois, passou a fazê-lo numa folha de cálculo no Excel e, mais tarde, recorreu às aplicações “que para a Geração Z facilitam muito a vida e fazem uns lindos gráficos". Independentemente do método, o importante é que os jovens percebam quais as despesas desnecessárias.
"Eu recomendo a que todos, durante um mês inteiro, registem todas as despesas, até o cafezinho que tomam de manhã, porque só indo ao detalhe é que vamos identificar a tal poupança escondida. Se pensarmos em um euro por dia, ao final do ano, são 365 euros. Por exemplo, porque é que os jovens não orçamentam os concertos? Têm 365 euros por ano, aquele é o único dinheiro e não pode ser ultrapassado."
Em 2016, Bárbara Barroso publicou no blog pessoal "As Dicas da Bá" um desafio que reconhece ser hoje um sucesso. Chama-se "Desafio das 52 semanas" e permite chegar ao final do ano com uma poupança superior a 1.300 euros.
"Um ano tem 52 semanas. Se na primeira semana pouparmos um euro, na segunda semana pouparmos dois, na terceira três, e assim sucessivamente, no final do ano conseguimos 1.378 euros. Se quiserem que o esforço vá diminuindo, e não colocar 200 euros em dezembro, basta inverter a ordem e começar em janeiro, que é o que faço".
Bárbara Barroso sugere ainda que todos assumam um compromisso: tem de haver uma transferência automática sempre no início de cada mês.
"Essa mudança de paradigma é fundamental. Nós somos ensinados a poupar no final do mês, não pode ser, porque somos muito criativos a arranjar sítios para gastar dinheiro. Temos de nos pagar primeiro. O ideal seria que todos os meses conseguíssemos poupar 10% do nosso rendimento. Isto significa que dos 22 dias de trabalho, o ordenado de dois dias tem de ser guardado e é para nós. O resto é para pagar contas."
Uma luz ao fundo do túnel: começar a investir, mas com cuidado
Aos 21 anos, Bárbara Barroso começou a investir pensando que seria "a próxima loba de Wall Street", mas a experiência não correu bem, tudo por causa "da ganância e da iliteracia financeira", reconhece.
"Perdi todas as poupanças que tinha para dar entrada numa casa e tive de começar do zero. Passei por fases de revolta, de raiva. Achava que ia conseguir multiplicar dinheiro de uma forma muito fácil". Depois de se informar, e perceber que teria de trabalhar mais, viu a outra face da moeda: "Valeu a pena. Tive muitos trabalhos como freelancer e muitos anos sem férias. Com 26 anos, como freelancer, ganhava duas vezes mais do que o meu salário".
"Quando conseguimos rentabilizar, parecemos o tio patinhas e já nem queremos gastar o dinheiro, custou tanto e agora vou gastar?", sorri a fundadora do MoneyLab, que – ainda que com cautela - deixa uma mensagem de incentivo aos jovens: "Não adiem mais o poupar e o investir. A cada dia que deixamos o nosso dinheiro parado, estamos a perder poder de compra e isto significa que estamos a empobrecer", remata.