O escritor José Eduardo Agualusa olha com estranheza as declarações do Presidente angolano que, esta sexta-feira, garantiu estar de saída da vida política activa em 2018.
Agualusa, conhecido critico de José Eduardo dos Santos, garante que o MPLA e o Presidente estão "cercados". Pensa que não foi preparada a sucessão e que esta não será dinástica. Em relação ao futuro de José Eduardo dos Santos, e a uma possível perseguição judicial, José Eduardo Agualusa diz que que ela só acontecerá se o Presidente não sair pelo próprio pé e não negociar a saída.
Qual é o significado que atribui à declaração do presidente José Eduardo dos Santos de que irá abandonar o cargo em 2018?
A verdade é que já anteriormente o Presidente Eduardo dos Santos anunciou – ou deu a entender – que ia abandonar o Governo. É uma declaração um pouco estranha, uma vez que ele diz que será em 2018 e as eleições são em 2017. Não me parece que faça muito sentido.
Por outro lado, creio que ele está a ser optimista, na medida em que tudo indica que terá de abandonar o poder antes disso. Nunca a situação esteve tão complicada em Angola, quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista político. O regime está sob cerco. E caíram empresários que apoiaram o regime, como Marcelo Odebrecht [empresário brasileiro ligado à construção preso por associação criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção], condenado a 19 anos de prisão, e outro empresário, o chinês Sam Pa, que foi preso na China.
A Igreja Católica fez um pronunciamento, há dois dias, sob a forma como Angola está a ser governada, sobre a corrupção e o nepotismo. Há uma contestação interna grande e o regime está também a perder o respeito a nível internacional. Não sei como fará para continuar no poder até 2018.
Está a tentar ganhar tempo?
Acho que está a preparar as pessoas para sair antes dessa data. As coisas estão muito difíceis em Angola. Mas, como diria uma cientista luso-francesa, "em Angola, até o passado é imprevisível." O que parece certo é que ele estará a preparar a sucessão, a preparar a saída. Mas, mesmo sobre isso, não há certezas.
Recordou esse episódio, de 2001, em que o Presidente anunciou a saída, depois não materializada. Pensa que isso pode voltar a acontecer?
A situação nunca esteve tão difícil para o partido no poder. Está muito complicada. Depois da queda do preço do petróleo, o regime não tem meios para continuar a sustentar a rede de pessoas que tinham o papel de sustentar o regime, quer dentro quer fora do país. Vamos ter, agora, o julgamento dos jovens que foram presos e vamos ver o que acontece. Este pronunciamento da Igreja é inédito, a Igreja esteve silenciada estes anos todos. Fez uma declaração muito forte.
O que quer dizer, no plano interno, esta declaração dos bispos angolanos?
Isto nunca aconteceu. É um sinal de fraqueza do regime. A Igreja já devia ter falado antes, mas não o fizeram. As outras igrejas continuam em silêncio. Mas sente-se uma inquietação crescente. Imagino que dentro do partido do poder isto também se passe.
Como é que José Eduardo dos Santos tentará fazer esta passagem do poder?
Não sabemos. Nada foi feito. Ele não preparou a sucessão. Há quem diga que preparou o filho, mas a verdade é que este filho não tem apoio popular, nem sequer dentro do partido [MPLA]. Não me parece que tenha condições para impor o filho.
Manuel Vicente, depois das acusações judiciais, tem condições para se perfilar como sucessor?
Não me parece que depois do caso de suborno ao procurador português tenha condições. Mas, mais uma vez, não sei. Seria uma surpresa grande.
Portanto, não acredita numa passagem de poder dinástica...
Não creio que isso seja possível. O filho do Presidente é muito jovem, não tem apoios, e, se isso acontecesse, seria uma transição muito complicada.
Como será o país depois de José Eduardo dos Santos?
Espero que seja possível fazer uma transição pacífica para uma democracia autêntica e que o Presidente ainda consiga fazer isso. Angola tem quadros e pessoas competentes que podem assumir o poder.
Mas, depois de todas as críticas que foram sendo feitas e acusações, é possível que o futuro seja feito sem haver tentativa de haver processos judiciais contra o Presidente?
Acho que, se for iniciativa do Presidente, ele poderá negociar a saída de maneira a não ser afectado no futuro, como aconteceu com outros ditadores, como Pinochet, e conseguir não ser perturbado, pelo menos, durante muito tempo. Mas, se Eduardo dos Santos sair empurrado, aí, sim, tudo aquilo que ele e a família próxima conseguiram está em causa.