Angelo Sodano: Divulgação do terceiro segredo de Fátima quis "relançar mensagem de esperança"
08-05-2017 - 13:09
 • Aura Miguel , em Roma

Levantou o véu do terceiro segredo de Fátima e encontra na Cova da Iria um dos grandes centros marianos do mundo. Em entrevista, o cardeal italiano diz que o Papa levará a Fátima “um testemunho de fé e de amor a Maria”.

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É o decano do Colégio dos Cardeais do Vaticano desde 2005, sucedendo ao cardeal Joseph Ratzinger. Diplomata de carreira, o italiano Angelo Sodano foi nomeado, em 1989, por João Paulo II, chefe da diplomacia vaticana. Em 1991, torna-se “primeiro-ministro” do Papa João Paulo II. A sua missão viria a ser confirmada por Bento XVI, até atingir o limite de idade, em 2006.

No ano 2000, foi Sodano quem, por decisão do Papa, levantou o véu do terceiro segredo de no final da missa de 13 de Maio, em Fátima.

Em entrevista à Renascença, diz que o “ambiente de oração” de Fátima, um “grande centro de oração para toda a Igreja”, sempre o atraiu. “Entre Fátima e Roma sempre houve grandes vínculos espirituais”, diz.

Como é que Fátima entrou na sua vida? Recorda-se da primeira vez em que ouviu falar das aparições?

A devoção a Maria entrou na minha vida desde a infância, no seio da minha família, numa pequena aldeia rural do Piemonte, na ilha de Asti. Os meus pais, Giovanni e Delfina, eram muito religiosos e educaram os filhos numa grande visão cristã da vida. Nesta visão, assumia grande importância a devoção mariana, mas foi só mais tarde, durante a juventude, que comecei a saber da existência de santuários marianos, na Itália e no mundo, entre eles, o grande Santuário de Fátima – também porque lá em casa havia uma grande simpatia pelos três pequenos videntes, Lúcia, Francisco e Jacinta.

Ao longo da minha longa vida – agora a caminho dos 90 anos –, dou graças a Deus pela sorte que tive ao visitar tantos santuários no mundo e neles ter podido rezar por mim, pela Igreja e pelo Papa. Devo dizer que o Santuário de Fátima sempre me atraiu de modo particular, devido ao ambiente de oração que lá encontrei.

No seu percurso de pastor, enquanto bispo e diplomata da Santa Sé, falava-se de Fátima?

Claro. Durante o meu serviço na Secretaria de Estado, visitei muitos países. Desde 1961, quando o Papa João XXIII me enviou para a América Latina – primeiro para o Equador, depois para o Uruguai e o Chile, já no tempo de João Paulo II – sempre admirei a forte ligação de tantos católicos aos grandes santuários espalhados pelo mundo e Fátima ocupava um destes lugares. E eu próprio, quando vim para Roma, em 1968, para trabalhar durante dez anos na Secretaria de Estado, não fui directamente para Roma, mas fiz uma escala em Portugal para ir a Fátima. Lembro-me que havia um voo da TAP que partia do Brasil. Fui lá sozinho, para rezar e celebrar missa. Ainda hoje me lembro bem.

A mensagem de Fátima é um apelo à conversão individual, mas também se refere ao destino dos povos – fala das guerras mundiais, dos erros da Rússia, da perseguição dos cristãos. Estas profecias também eram consideradas na Secretaria de Estado?

A Secretaria de Estado segue sempre as linhas directivas que lhe dão os sucessivos pontífices. A Secretaria de Estado é um dos instrumentos ao serviço do Papa para o governo da Igreja universal. Esta é e sempre foi a sua missão. Ou seja, a Secretaria de Estado não tem ideias próprias, porque é o braço do Papa para o trabalho da Igreja.

Então a resposta, sobre o interesse sobre Fátima, é sim?

Certamente!

Pergunto isto porque me recordo que o embaixador Yuri Karlov – o primeiro embaixador da União Soviética junto da Santa Sé, que acompanhou Gorbachev na sua primeira visita histórica ao Papa – contou-me que, no Ministério dos Negócios Estrangeiros russo havia um dossiê sobre Fátima, por se referir à Rússia. Como é que o senhor cardeal seguia tudo isto?

Recordo bem que, uma vez, o embaixador Karlov, primeiro embaixador da nova Rússia junto da Santa Sé, também me falou do santuário de Fátima. Eu tinha ido a Moscovo, no Outono de 1989, para retomar as relações entre a nova Rússia e a Santa Sé, após a queda da hegemonia comunista. Aliás, foi nesse contexto que se deu a nomeação do próprio Yuri Karlov como embaixador da Rússia junto da Santa Sé. A certa altura, ele referiu-se ao culto dos católicos a Nossa Senhora de Fátima. Para mim, foi um prazer explicar-lhe a natureza dos santuários cristãos e dos santuários marianos e como nasceu este grande culto à Mãe do Senhor, em Fátima. Foi também uma ocasião para lhe explicar que Nossa Senhora é sempre a mesma, mas venerada em santuários diferentes.

Fátima também é inseparável do Papa e do seu sofrimento. Pio XII era considerado, no seu tempo, “o Papa de Fátima”, Paulo VI também foi lá no cinquentenário das aparições e, depois, deu-se o atentado a João Paulo II, que ainda tornou mais evidente a relação do Papa com Fátima.

Sem dúvida que o nome dos últimos papas, especialmente a partir de Pio XII, está intimamente ligado à devoção a Nossa Senhora de Fátima. Existem, aliás, várias publicações que descrevem bem a realidade das relações de cada um dos pontífices com Fátima. Claro que, acima de todos, emerge o Papa João Paulo II, que foi três vezes a Fátima, como peregrino, e que me enviou duas vezes como seu legado apostólico, em 1992, por ocasião dos 75 anos das aparições de Nossa Senhora e, depois em 2007, por ocasião dos 90 anos. Conclusão: entre Fátima e Roma sempre houve grandes vínculos espirituais. É por isso que os Papas seguiram sempre com atenção os belos acontecimentos da Igreja, tal como seguem os acontecimentos tristes, dando sempre glória a Deus.

Lembra-se onde estava naquele dia 13 de Maio de 1981 e como soube do atentado?

Naquele 13 de Maio de 1981 estava no Chile, como núncio apostólico, tinha sido enviado para lá em 1978 pelo Papa Paulo VI, de santa memória. Recebi a notícia do atentado através da rádio local e tentei imediatamente pôr-me em contacto com Roma, tendo recebido, infelizmente, a confirmação do grave delito. Houve então grande afluência de homens e mulheres à Nunciatura de Santiago, de autoridades e muitos bispos, para manifestarem a grande proximidade daquele povo crente ao santo e grande pontífice. Depois, também houve várias celebrações e momentos de oração e de acção de graças à providência de Deus por o ter conservado durante tantos anos.

Após o atentado, Fátima torna-se parte integrante do pontificado de João Paulo II.

Sim, a devoção mariana de João Paulo II era realmente típica. E tornou-se ainda mais expressiva naquele trágico momento. Era já bem conhecida a sua devoção mariana, formada na escola da Igreja na Polónia, uma Igreja profundamente mariana, em torno do Santuário de Czestochowa. Mas depois, foi muito simbólico o seu gesto de oferecer ao santuário a bala do seu atentado, hoje encastoada na coroa de Nossa Senhora. Em 1982, um ano após o atentado, ao chegar a Fátima, a primeira coisa que João Paulo II fez foi dirigir-se imediatamente à Capelinha [das Aparições], onde está a imagem de Nossa Senhora, para lhe dizer, expressamente, na bela língua portuguesa: “Ao tomar consciência, o meu pensamento voltou-se imediatamente para este Santuário, para depor no coração da Mãe celeste o meu agradecimento, por me ter salvado do perigo”. São belas palavras que explicam bem como Fátima se tornou parte integrante do seu pontificado.

A 13 de Maio de 2000, foi o senhor cardeal quem anunciou uma parte do terceiro segredo de Fátima. Quando disse “noutras partes do mundo, os ataques contra a Igreja e os cristãos, com o peso de sofrimento que isso comporta, infelizmente não cessaram”, significa que a actualidade da mensagem continua e não acabou com a publicação do segredo?

Claro! Recordo bem as palavras que então dirigi aos fiéis, no final da missa que concelebrei com o Papa. Mas a finalidade não era só anunciar que o Papa tinha decidido revelar o conteúdo da visão sobre as trágicas lutas contra os cristãos e contra o “homem vestido de branco”. A finalidade era convidar todos a uma fé profunda na providência de Deus, sempre vigilante sobre o destino dos povos. No fundo, sabemos que, na história da Igreja, sempre houve perseguições e que a natureza humana tanto opta pelo bem, como pelo mal. Mas as minhas palavras quiseram relançar uma mensagem de esperança.

É certo que Nossa Senhora falava dos perigos, mas apesar das trágicas previsões, a mensagem que Ela quis incutir nos pastorinhos foi uma mensagem de esperança, com palavras que ficaram para história: “Por fim, o meu Coração Imaculado triunfará”. Estas palavras são uma espécie de comentário às palavras que Jesus deixou aos seus Apóstolos, antes da ascensão: “No mundo tereis tribulações, mas tenham confiança. Eu venci o mundo” (Jo.16, 33). E ainda hoje, bem precisamos desta mensagem de esperança de Maria.

Enquanto legado pontifício, foi enviado a Fátima (para os 75 anos das aparições), mas também a lugares bem longe de Portugal para consagrar igrejas dedicadas a Nossa Senhora de Fátima, como, por exemplo, a Moscovo, em 1999, e a Karaganda, no Cazaquistão, em 2012. Como vê esta dimensão universal de Fátima, que persiste?

A Igreja Católica é una em todo o mundo, há vasos comunicantes, ou seja, a riqueza de uma parte da Igreja incide sobre a outra, tal como as dores de uma parte da Igreja incidem sobre as outras. Por isso, a Igreja é universal; é, pois, lógico que exista este enriquecimento recíproco entre todos os cristãos, graças também à Providência e à facilidade de contacto que hoje existe entre os povos. Por tudo isto, damos graças ao Senhor.

Cem anos depois, a actualidade de Fátima é confirmada com a presença do Papa Francisco. O que se pode esperar desta visita?

O Papa Francisco – escolhido pelo Espírito Santo para guiar a Igreja nesta hora da sua história – é um grande devoto de Nossa Senhora. Certamente, levará a Fátima o seu profundo testemunho de fé e de amor a Maria, rainha da Igreja, no sulco daquela missão que Jesus lhe confiou, tal como um dia a confiou a Pedro, dizendo: “Pedro, confirma os teus irmãos na fé” (Lc 22, 32). E confirmar os irmãos na fé, é também confirmar os irmãos na fé mariana.

Pessoalmente, como gosta de considerar Fátima?

Considero Fátima um grande centro de oração para toda a Igreja, ao lado dos grandes santuários marianos do mundo, para que a Igreja se possa renovar sempre interiormente, por intercessão de Maria, Mãe da Igreja. E para que também a Igreja possa continuar a cumprir a sua missão no mundo de hoje. Parece-me que este aspecto da oração, é hoje o aspecto sempre actual, quer do ponto de vista individual, quer para as multidões de fiéis que se reúnem a Fátima e não só. São estas as minhas considerações, com [em português] ‘uma saudação final a todos os devotos de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal’.