As estimativas do Instituto Nacional de Estatística colocam a economia portuguesa a cair duas décimas no terceiro trimestre do ano, em relação ao trimestre anterior.
O economista João Cerejeira afirma à Renascença que ainda é cedo para dizer se o país está novamente a caminho da recessão, mas que há fatores que permitem algum otimismo, como a retoma da Autoeuropa, e de todas as empresas que indiretamente dependem da empresa.
No entanto, o professor na Universidade do Minho avisa que a estagnação da economia portuguesa pode ter consequências nos números do desemprego.
O recuo da economia portuguesa, em 0,2% do segundo para o terceiro trimestre é preocupante?
Para já não é grave, é um sinal de um abrandamento ou de uma estagnação, se quisermos, relativamente ao momento anterior. O que é que isto quer dizer, na prática? Provavelmente o emprego não vai crescer mais do que o previsto. Podemos ter até um ligeiro aumento do desemprego durante este trimestre. Portanto, é efetivamente um abrandamento, mas não é uma crise ou uma recessão, ainda.
Mas para ser recessão, o que é que falta? Se no próximo trimestre, ou seja, se já em Dezembro voltarmos a cair, entramos em recessão?
A recessão, como é definida, são dois trimestres consecutivos, com queda do produto. Atualmente já temos alguns países da Europa assim. De facto, a Europa Central foi muito afetada pela guerra na Ucrânia, e o setor exportador em Portugal está agora a dar sinais de abrandamento. Os números mostram isso. Portanto, se não fosse a dinâmica da procura interna, provavelmente esta queda de 0,2 teria sido ainda mais acentuada.
Há, então, duas vertentes a ter em conta: por um lado, as exportações que caíram, e o fator Autoeuropa não deve ser desprezível.
O fator Autoeuropa tem dois efeitos. Tem um efeito direto pelo peso significativo que têm nas exportações, mas tem também o efeito indireto de termos muitos fornecedores de componentes que estão igualmente localizados em Portugal.
Isso acaba por refletir também no abrandamento. Agora, esperemos que, com a retoma da atividade em Outubro, que o quarto trimestre possa mostrar números um bocadinho mais favoráveis.
A paragem da Autoeuropa é um fator determinante nestes números?
Creio que sim. Vamos ver se, de facto, a retoma da atividade neste quarto trimestre contraria, ou ajuda a contrariar, esta tendência. Aí poderemos dizer que é determinante.
Quanto ao consumo interno, parece ter ajudado a amortecer esta queda?
Creio que pode ter a ver muito com algumas políticas, até do próprio governo. Se pensarmos que houve alguns aumentos de prestações sociais, um aumento, também, intercalar dos funcionários públicos, pode ter havido aqui um incentivo ao consumo, por essa via. Também existiram alguns aumentos também salariais ao nível do setor privado, que acabaram por ter maior expressão a partir do segundo ou terceiro trimestre. Isso tudo terá dado alguma ajuda à procura interna.
Há risco de entrarmos em recessão de facto ainda este ano?
Creio que não. Espero que o quarto trimestre seja um bocadinho melhor. Agora estes números, repare. 0,2 negativos é um valor muito próximo de zero, é um valor baixinho. Mas estes ainda são dados provisórios e, portanto, acho que ainda é cedo para falarmos de uma recessão no quarto trimestre. Espero que não ocorra.
Só mais uma nota: quando comparamos as evoluções homólogas, com o ano anterior, e para o conjunto de países dos quais já temos os dados, Portugal até é o país que cresce mais. É uma nota positiva dentro deste panorama, um bocadinho mais negativo do que estivemos a falar até agora.
Esta estimativa do terceiro trimestre não tem obviamente em conta ainda a crise no Médio Oriente. Terá quando muito o impacto da guerra na Ucrânia. Podemos vir a sofrer consequência no quarto trimestre desta crise no Médio Oriente?
Nós tivemos uma subida imediata dos preços da energia no imediato, no início da guerra. Creio que estão a estabilizar. A nossa economia é bastante dependente da oscilação dos preços do petróleo, mas a situação no Médio Oriente não é propriamente uma novidade.
Talvez em intensidade seja, mas não é propriamente uma novidade. E creio, por isso, que não terá um efeito tão grande quanto foi o da guerra na Ucrânia.