António Filipe confunde-se com as últimas décadas da história do PCP. Foi deputado entre 1987 e janeiro deste ano, altura em que não foi eleito. Por outras palavras: trabalhou com todos os líderes que o partido já teve desde o 25 de Abril: Álvaro Cunhal, Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa. Agora vai cruzar-se com Paulo Raimundo.
Em entrevista, durante a Conferência Nacional do PCP, em Corroios, vaticina muito trabalho para o novo secretário-geral do PCP. À Renascença diz concordar que Raimundo tem de tornar-se conhecido para o público em geral. Sobre Jerónimo? António Filipe aceita que deixa saudades, mas lembra que o até aqui líder não sai da Soeiro Pereira Gomes.
Assistiu ao último discurso do Jerónimo de Sousa como líder do PCP. Vai ter saudades?
(Ri-se) Eu não vou ter saudades dele. Felizmente ele continua connosco, claro que noutras funções, não tão exigentes do ponto de vista da sua intervenção e até mesmo da sua disponibilidade física. Mas Jerónimo de Sousa não se vai embora.
Assim como nesta Conferência Nacional temos o gosto de ter cá o antigo secretário-geral, Carlos Carvalhas, como delegado; vamos continuar a ter Jerónimo de Sousa connosco.
Claro que com uma com menos visibilidade e com uma intervenção menos intensa. Não posso dizer que não deixará saudades, porque parece que estou a desvalorizar a prestação que teve como secretário-geral.
Foi uma prestação, como se viu pela forma como hoje foi recebido, que nos orgulha muito. Uma prestação que teve nestes 18 anos e agora vamos todos estar com o futuro secretário-geral, Paulo Raimundo, para continuar uma intervenção à altura das exigências que os tempos nos colocam.
É uma liderança longa, o partido que Paulo Raimundo herda hoje é diferente daquele Jerónimo de Sousa herdou há 18 anos?
As circunstâncias são outras, o partido é o mesmo. É o mesmo nos seus fundamentos ideológicos, os princípios por que rege a sua ação, mas as circunstâncias são diferentes.
Mas mesmo ao longo dos 18 anos em que Jerónimo de Sousa foi secretário geral, também tivemos de enfrentar circunstâncias muito diversas. Estas são muito exigentes, quer para o nosso país, para o povo português, quer a nível mundial.
Estamos todos confrontados com fenómenos novos. O povo português enfrenta grandes ameaças, como aliás estamos a ver com as dificuldades que se está a sentir no dia-a-dia, e que no futuro próximo, a perspetiva que existe é a de agravamento dessas condições.
São circunstâncias em que, naturalmente, o partido também em resultado disso, tem dificuldades que vai ter que enfrentar e foram reconhecidas nesta Conferência Nacional, que serve precisamente para podermos encontrar as melhores soluções para enfrentar essas dificuldades.
Naturalmente, o Paulo Raimundo não vai ter uma tarefa fácil, mas Jerónimo de Sousa também não teve. São circunstâncias diferentes, mas obviamente muito exigentes.
Fazia uma espécie de retrospetiva desses 18 anos. com diria que foi o ponto alto de Jerónimo de Sousa. Foi quando influenciou a governação na Geringonça?
Foi. Eu não gosto de usar esse termo porque ele nasceu pejorativamente. O que tivemos foi um Governo do PS, em circunstâncias muito diferentes daquelas que temos hoje.
O momento que marca indelevelmente é a intervenção de Jerónimo de Sousa, naquela noite de outubro de 2015, em que, depois de António Costa ter dado os parabéns a Passos Coelho, diz que o PS só não formaria Governo se não quisesse.
O PS formou o Governo em circunstâncias diferentes das que tinha tido até aí. Passo a redundância: essa diferença fez muita diferença.
O facto de o Partido Socialista ter sido obrigado- para poder ser o Governo – a aceitar uma série de medidas que não lhe passavam pela cabeça adotar, como a reposição de salários e pensões, a gratuitidade dos manuais escolares, um novo preço dos passes sociais, ou a reposição dos feriados.
Ou seja, houve uma série de conquistas e de reposição de direitos que só foram possíveis não pela força do PS, mas pela fraqueza do PS. Isso fez a diferença.
Agora os portugueses estão a sentir a diferença, pela sua própria experiência. O PS conseguiu desencadear uma operação bem sucedida do seu ponto de vista, de querer atribuir a outros a responsabilidade pela crise política que abriu. Obviamente, o objetivo do PS era conseguir a maioria absoluta- que conseguiu.
Foi um sucesso do Partido Socialista, mas não foi um sucesso para o povo português, como aliás se começa a ver. É isso que temos que enfrentar. A realidade é o que é, não aquela que gostaríamos que fosse.
No domingo abre-se um novo capítulo na liderança do PCP. A liderança de Paulo Raimundo será uma incógnita para a maior parte das pessoas. É uma incógnita também para si?
Não, não é. Eu percebo que seja para a maior parte das pessoas, porque o Paulo Raimundo não tem grande visibilidade pública e mediática. Ele não é deputado, portanto, obviamente é menos conhecido na opinião pública.
Mas no partido ele é um dos cinco membros dos dois órgãos executivos- o secretariado e a comissão política- desde o último Congresso. E já há muitos anos, creio que desde 2002, que é membro da Comissão Política. Eu diria que ele é conhecido dentro do partido e pelos militantes.
Na opinião pública não é tanto. Obviamente que a função de secretário-geral implica ser também conhecido na opinião pública, e esse é o trabalho que teremos pela frente.
Esperemos nós que as iniciativas em que o secretário-geral participa tenha uma cobertura mediática adequada. Ele tornar-se-á conhecido, mais até do que hoje e sobretudo das pessoas que não o conhecem, que não são militantes do PCP, terão a oportunidade de apreciar a sua prestação como secretário-geral.
Na resolução desta Conferência Nacional um dos pontos é reforçar a ligação do PCP sindicatos. Paulo Raimundo é o homem certo para esse para fazer essa ponte?
Nós esperamos que sim. Confiamos que sim. Quando vamos eleger o secretário-geral fazêmo-lo com a convicção de escolher, entre nós, o camarada que nos parece que esteja em melhores condições para enfrentar as tarefas que o partido tem.
Os trabalhadores portugueses estão confrontados com desafios muito difíceis. O país tem um problema estrutural que tem de enfrentar, que são os baixos salários, a degradação dos direitos laborais que se verificou nas últimas décadas e que não foram repostaos.
A luta pelos direitos dos trabalhadores é uma questão central da atividade do PCP, que exige por parte dos comunistas, um grande empenhamento também nos sindicatos a que pertencem e a que estão filiados.
Essa ligação aos trabalhadores é uma questão decisiva para um partido, que que é o Partido dos Trabalhadores. Naturalmente isso é uma grande prioridade desta Conferência Nacional.