Continuamos a cometer um equívoco quando debatemos as questões do equilíbrio entre homens e mulheres. O equívoco é colocar o foco nas mulheres, “repensar a condição feminina”, “repensar o papel das mulheres”, etc. Lamento, mas o novo papel das mulheres já foi pensado e repensado. Mais do que pensado, já é uma realidade. O papel das mulheres mudou, ponto final. E essa mudança deve ser celebrada e defendida contra o novo populismo. O tal populismo nacionalista é uma hidra com diferentes causas, continentes e caras. Só há uma causa partilhada por todos. Só há um ponto partilhado ao mesmo tempo por Trump, Bolsonaro, Duderte, Salvini e os Orban da Europa de leste: o desejo de reverter a emancipação feminina. Esta reversão é uma causa inaceitável. As nossas filhas terão à sua frente um campo onde estarão pela primeira vez em pé de igualdade com os homens. Não aceito outra sociedade: as mulheres não têm de ir para os lugares de trás do autocarro.
O que deve ser debatido é o papel do homem. A questão não é a mulher ter mais poder, a questão é o homem ceder parte do poder. E este repensar da condição masculina, a meu ver, passa por assumirmos que a realização do homem enquanto ser humano não pode ser apenas uma realização profissional - um ponto fundamental para qualquer homem católico. A nossa salvação não está na meritocracia demonstrada no trabalho, está no amor que colocamos na relação com as pessoas da nossa família. Na prática, isto representa o quê? Que o sacrifício da vida profissional não pode continuar a ser um monopólio das mulheres. Perder dias de trabalho devido à doença das crianças não pode continuar a ser um problema feminino. O dilema que é articular família e trabalho não pode continuar longe da mente dos homens. Elas não podem ser as únicas a abdicar de sonhos e aspirações. O sacrifício e a renúncia não podem ser um exclusivo delas. Os homens, seja em que profissão for, têm de recusar convites para promoções ou palestras, têm de se sacrificar pela sua família, também têm de colocar os filhos e a mulher à frente da sua carreira. Esse sacrifício é fácil? Não. É dificílimo, garanto-vos. Mas o nosso ego não pode ser superior à nossa alma, a nossa fama não pode ser superior à nossa família.
Se não aprenderem a gramática deste sacrifício, os homens destruirão a própria família. Aliás, a família e o casamento já estão em processo de fragmentação, porque os homens – na sua esmagadora maioria – recusam ceder parte do poder. Consciente ou inconscientemente, os homens estão em 2019 à espera das mulheres de 1950. Repare-se que não estou a dizer que os homens têm de ir para casa como as mulheres de antigamente. Estou apenas a dizer que é preciso um equilíbrio que ainda não existe: ele e ela têm de sacrificar à vez a sua carreira em nome da família. Só assim será possível ter mulheres em cargos de poder e, mais importante, filhas e mulheres realizadas.
Este repensar do casal é um assunto que deve interessar a qualquer tipo de homem, católico ou não católico. Católicos ou não católicos, os homens não se podem aliar deste tema. Pensar ou dizer que este assunto “é de mulheres” é como dizer que a pobreza é um assunto “de pobres”. A igualdade profissional entre homens e mulheres é um assunto social e humano tão importante como a pobreza ou o ambiente. Se este assunto devia interessar a todos os homens, deve interessar em particular ao homem católico.
Um homem católico tem na família o seu valor central. Pois bem: defender a família em 2019 não é o mesmo que defender a família em 1950. O modelo de família de 1950 impunha a mulher em casa e o marido no trabalho. Isso mudou, como se sabe. Perante esta mudança, o homem católico tem duas opções. A primeira (errada, a meu ver) é tentar viver em 2019 como se nada tivesse mudado desde 1950, é dar corda ao relógio populista que conta o tempo ao contrário: anda para trás, com os ponteiros a girar da direita para a esquerda. Esta opção confunde a essência (a família) com uma forma histórica da família; não defende a família real tal como ela pode existir aqui e agora, defende uma ilusão situada no passado. A segunda opção passa por reconhecer como positivas as mudanças no papel da mulher e actuar a partir daí: formar uma família com uma mulher de 2019 implica um homem mais humilde e capaz de relativizar o seu papel público, o seu trabalho, a sua meritocracia; implica um homem mais perto do evangelho. A desordem na família e no casamento que temos hoje em dia (alta taxa de divórcio; baixa natalidade) nascem deste desencontro: as mulheres estão em 2019, os homens em 1950.