Há duas semanas o procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, ordenou uma busca à casa de Trump na Florida. Procuraram-se documentos que o ex-presidente terá ilegalmente trazido da Casa Branca. Exatamente quais documentos, não se sabe.
Nunca antes tinha havido uma busca na residência de um antigo presidente dos EUA. Os republicanos ergueram um coro de críticas furiosas ao Departamento de Justiça. Trump ganhou apoio com essa reação.
Os republicanos que seguem as instruções de Trump têm obtido melhores resultados nas eleições primárias do partido republicano do que os muito menos numerosos republicanos que resistem ao anterior presidente. Trump tem o partido republicano na mão. Esta situação não tem a ver com ideias políticas, mas com uma falsidade, na qual muitos fingem acreditar – a fantasia segundo a qual Trump teria vencido, com larga vantagem, as eleições presidenciais de 2016; Joe Biden só é presidente, dizem eles, graças a uma fraude.
Mas nem Trump nem os seus seguidores do partido republicano conseguiram apresentar o mais leve indício de irregularidade nessas eleições. Estas foram declaradas livres e justas pelos responsáveis eleitorais dos 50 estados americanos. Nem essas eleições foram impugnadas por juízes estaduais e federais, incluindo juízes do Supremo Tribunal nomeados por Trump; nem, ainda, pelo procurador-geral então em exercício, Willliam Barr, também nomeado por Trump.
Trata-se de uma óbvia falsidade, própria de quem não se preocupa com a verdade e embarca nesta ficção por ela ser conveniente para as aspirações de Trump – ser reeleito em 2024. Atente-se no que essa mentira grotesca representa para a democracia americana: apenas se aceitam os resultados eleitorais quando eles são favoráveis, quando desfavoráveis são classificados de fraude.
O que é grave, embora preocupe, não é a viragem na política externa dos EUA que Trump incentivará a partir da Casa Branca. Será o fim do apoio à Ucrânia e o abandono da NATO, para manter boas relações com o seu amigo Putin. Ainda mais trágico será o abalo que sofrerá a democracia americana, uma vez que as eleições deixarão de ter sentido.
Esta deriva começa a fazer escola – veja-se Bolsonaro, que, mantendo-se nas sondagens atrás de Lula, há várias semanas que multiplica acusações ao sistema brasileiro de votação, o voto eletrónico. É o descrédito do regime democrático. Mas Bolsonaro é um adepto da tortura e da ditadura militar. O partido republicano dos EUA é o herdeiro de A. Lincoln, mas já nada tem a ver com essa herança.