O ex-governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, regressa esta terça-feira ao parlamento, depois da polémica em torno do reforço da Fundação Berardo no BCP através de um crédito de 350 milhões de euros da Caixa Geral de Depósitos.
A 7 de junho, o jornal "Público" revelou documentos, a que a agência Lusa também teve acesso, que mostram que a operação de aumento de posição da Fundação José Berardo no BCP, em 2007, foi autorizada pela administração do Banco de Portugal (BdP), então governado por Vítor Constâncio, mesmo sabendo que as verbas necessárias para essa operação provinham de um crédito de 350 milhões de euros contraídos junto da CGD.
Segundo esses documentos, dois membros da supervisão bancária do BdP, Carlos Nunes e Virgílio Mendes, assinaram uma carta em que se pode ler que "o Conselho de Administração do Banco de Portugal, em sessão de 21 de agosto de 2007, deliberou não se opor à detenção por parte da Fundação José Berardo de uma participação qualificada superior a 5% e inferior a 10% no capital social do Banco Comercial Português SA e inerentes direitos de voto".
Segundo o "Público", Vítor Constâncio “omitiu” o conhecimento desta informação dos deputados durante a sua audição de 28 de março, algo que o também ex-vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE) nega, alegando que os deputados nada lhe perguntaram sobre a autorização para o aumento de posição da Fundação José Berardo no BCP.
Em reação à notícia do "Público", os grupos parlamentares não tardaram em concordar com a realização uma nova audição a Constâncio, depois do ex-governador já ter ido ao parlamento em 28 de março.
“Perante este facto, o PSD não hesita um segundo em chamar de novo o dr. Vítor Constâncio à comissão”, afirmou o deputado do PSD Duarte Pacheco, em declarações aos jornalistas no parlamento, acrescentando que Constâncio terá oportunidade de “reavivar a sua memória” e também de “esclarecer o que começam a ser alguns indícios”.
Já Carlos César (PS) referiu, numa declaração à Lusa, que "o grupo parlamentar do PS entende indispensável voltar a questionar Vítor Constâncio, tal como por exemplo o então vice-governador Pedro Duarte Neves, face à omissão inexplicável dos seus depoimentos a esse respeito na Comissão de Inquérito".
Pelo BE, Mariana Mortágua afirmou que “o BdP tem uma cultura de convivência com práticas bancárias absolutamente irresponsáveis nestes últimos anos”, e que “é quase impossível que Vítor Constâncio não soubesse o que se estava a passar".
Pelo PCP, o deputado Duarte Alves considerou que, a confirmarem-se as informações reveladas, a resposta que Vítor Constâncio deu à Comissão, em resposta a uma pergunta do PCP, “não corresponde à verdade”.
Já o CDS defendeu que, caso se comprove que o antigo governador do Banco de Portugal mentiu à Comissão parlamentar de inquérito sobre a Caixa, o caso deve ser entregue ao Ministério Público porque “tem contornos criminais”.
Vítor Constâncio disse que não mentiu nem omitiu nada aos deputados por ter respondido acerca do ato de concessão de crédito por parte da CGD (do qual afirma não ter tido conhecimento prévio), e não acerca do aumento de posição de Berardo no BCP.
De acordo com o ex-governador, o Banco de Portugal não poderia ter nem anulado nem revertido o crédito, bem como se ter oposto ao reforço no BCP, uma vez que a operação de financiamento era legal e a idoneidade da Fundação José Berardo, à data, não estaria em causa.
“O Banco de Portugal (BdP) não tem competência para ter conhecimento de operações de crédito antes de serem decididas pelos bancos, nem muito menos competência para as mandar anular”, afirmou Vítor Constâncio num esclarecimento escrito enviado à Lusa em 07 de junho.
No mesmo dia, em entrevista à RTP, Constâncio disse que "o Banco de Portugal só tinha competência para objetar que a Fundação Berardo fosse acionista qualificada no BCP. Mas não havia nenhuma razão legal para recusar que fosse".
Os deputados quererão agora esclarecer definitivamente se Constâncio poderia ter feito mais relativamente ao caso como um todo, bem como se o facto de ter tido conhecimento da operação de crédito através do pedido para o reforço da Fundação José Berardo no BCP constituiu ou não uma omissão à comissão parlamentar de inquérito.