O café Joyeux promove a inclusão de jovens portadores de trissomia 21 ou perturbações do espectro do autismo. O conceito, nascido em França, chegou a Portugal em 2021.
O primeiro espaço abriu em S. Bento, na Calçada da Estrela. O segundo começou a funcionar, já em 2022, num edifício de uma empresa de seguros, também em Lisboa. Esta terça-feira será inaugurado o terceiro café, em Cascais (Travessa de Santa Catarina, junto à baía), na presença de Yann e Lydwine Bucaille, fundadores do Café Joyeux.
Em entrevista à Renascença, a CEO da Joyeux Portugal revela que até final do ano abrirá mais um café-restaurante, e que no total dos vários espaços serão 30 os jovens contratados para receberem formação como cozinheiros, empregados de mesa, de balcão ou baristas.
Filipa Pinto Coelho, que é também presidente da Associação VilacomVida, fala ainda desta missão que a move e que levou a que este ano já tivesse sido distinguida com o prémio ‘Mulher Inspiradora 2022’, na categoria ‘Solidariedade’.
Como é que se sente nesta altura em que estão prestes a abrir mais um café inclusivo e solidário?
Estamos há um ano e meio à espera deste momento. Não estamos em nós de felizes por saber que, acima de tudo, este modelo está a dar provas de que resulta, funciona, que transforma. As pessoas que contratamos estão felizes e conseguem realizar o seu caminho de autonomia.
Não estaríamos tão convictos de que estamos a dar o passo certo num tão curto espaço de tempo - porque abrimos o primeiro café em Novembro de 2021, e o segundo, num modelo de empresa, em Fevereiro de 2022 – se, de facto, não tivéssemos já este conhecimento de experiência feito, este saber do terreno que o modelo funciona, e funciona tão bem.
A equipa está muito motivada, tem sido uma loucura estes últimos dias, como é com qualquer obra. Já temos recrutados os 12 jovens que vão ser contratados para formar, já fizeram os seus primeiros dias de formação - embora o nosso modelo seja muito de formação em contexto de trabalho. Os supervisores também estão recrutados, e o gerente. Estamos super felizes, porque claramente isto significa que é uma missão que só tem mesmo é que continuar a crescer.
E a missão é de inclusão. Referiu que o primeiro café abriu em 2021, portanto, ainda em plena pandemia. Este de Cascais vai ser o terceiro, e vai empregar 12 pessoas?
Sim, empregamos 12 pessoas, com mais 12 nos outros dois espaços faz 24, e posso já dizer que dia 11 de Setembro vamos inaugurar o quarto café, num modelo híbrido - num espaço de uma empresa, mas aberto público – onde vamos recrutar mais sete colaboradores cheios de vontade de mostrar o seu valor. Portanto, vamos chegar ao fim deste ano com 30 jovens empregados para formar, num modelo em que contamos com a ajuda de todos.
Este projeto de Cascais não teria sido possível sem o apoio imediato e incondicional dos nossos parceiros (um ajudou a comparticipar as obras), depois juntou-se a Câmara Municipal de Cascais que nos ajudou com o equipamento de cozinha e houve toda uma ação de angariação de fundos, com várias iniciativas que fizeram isto acontecer.
É um modelo que envolve muito os parceiros, os cidadãos, cada um na medida daquilo que pode dar, sendo que o que pode dar pode ser simplesmente o passar pelo café, tomar uma refeição, organizar uma festa de aniversário, uma reunião de empresa, fazer pedidos de takeaway, ter um almoço, um lanche ou pequenos almoços/brunch com amigos. É um convite à participação da sociedade como um todo, e das empresas que nos ajudam muito a ir mais longe e mais rápido.
A recetividade dos clientes tem sido boa desde a abertura do primeiro café?
Tem sido incrível! Nunca tivemos uma reação menos positiva, pelo contrário. E não é porque as pessoas possam estar a com um mindset diferente, há pessoas que vão com mais pressa, outras com menos… é porque, de facto, o serviço funciona. E é isto que queremos mostrar: as pessoas não têm de ir ao café Joyeux para ser solidárias, têm de ir porque gostam de ir e estão a contribuir para uma causa, é um momento Win Win.
É um serviço que funciona, é uma equipa que está motivada, é um modelo super profissional, uma importância no rigor, no detalhe, no servir, que é feito com o coração, por isso as pessoas gostam, sentem isso, sentem a alegria.
Ainda há pouco estava a falar com um dos nossos supervisores que me disse ‘eu sabia que ia ser bom, não sabia que ia ser tão bom’, e ele ainda nem sequer começou a trabalhar, está simplesmente a preparar aqui a sala! A alegria que está na expressão dele, que nunca teve uma experiência igual, um rapaz de 21 anos, é algo que fala por si, e é isto que acontece com toda a equipa.
Os clientes sentem isto, e fazem stories, posts, dizem ‘eu estive aqui e fui servido com o coração’. Tem sido um caminho incrível.
Este projeto prova que é possível integrar no mercado de trabalho quem tem dificuldades intelectuais e desenvolvimento, mas ainda há muitas barreiras e preconceitos a este nível, da parte dos empregadores?
Penso que a lei das quotas está a ajudar a fazer esse desbloqueio e a criar vontade de conhecer o modelo. Cada vez mais empresas querem fazer este caminho e têm-nos contactado, e outros parceiros que também fazem estas integrações, e isso é um ótimo sinal.
O que o café Joyeux quer fazer é desbloquear estes preconceitos ao nível do cidadão, que amanhã pode ser um empregador. Não estamos a atuar em planos diferentes, estamos no meio das pessoas e cada uma tem o seu papel também a nível profissional. É atuando na dimensão social dessa relação que vamos conseguir desbloquear a dimensão profissional e o impacto que essa pessoa pode ter na sua equipa e na empresa onde está. Acreditamos que estamos a conseguir ajudar a desbloquear preconceitos e a fazer com que um dia, de facto, isto a que chamamos ‘diferença’ já não se veja, porque vai fazer genuinamente parte de nós.
A Filipa conhece bem as dificuldades das famílias que têm filhos com este tipo de necessidade, é mãe de um menino com Trissomia 21. Para além de ser a CEO da Joyeux Portugal, é também presidente da associação VilacomVida. Que projeto é esse?
Foi o projeto que fez tudo isto acontecer. A VilacomVida nasceu em 2016, fundada por um grupo de pais de crianças e jovens com dificuldade intelectual, que queriam encontrar uma solução integrada na comunidade que resolvesse esta enorme angústia que as famílias sentem da transição da escola para a vida ativa. ‘O que é que o meu filho vai fazer depois da escola? Será que eu vou ter de me desempregar? Se me acontecer alguma coisa, ele vai viver à custa de terceiros ou vai conseguir ser independente?’. São perguntas chave, que todas as famílias fazem.
O que gostávamos de fazer não era simplesmente mais um projeto de integração profissional, porque graças a Deus há muitos, há muitas IPSS e organizações a fazerem este trabalho já há muito tempo. O que queríamos era trazer esta diferença para o centro das nossas vidas e das nossas cidades, através de uma oportunidade, da pessoa poder participar desta missão, deste impacto e deste propósito.
Tivemos a oportunidade de representar o café Joyeux em Portugal, e vamos querer representar sempre negócios sociais que possam trazer esta diferença para todas as dimensões da nossa vida. Este é um projeto de restauração, amanhã, se calhar, vai ser um projeto na indústria têxtil, e depois pode ser outro, desde que faça parte do caminho que nós todos, como cidadãos, temos. Penso que é isto que faz falta para que as pessoas se lembrem mais que estas pessoas existem e podem ser válidas.
Temos provado isso com o nosso caminho de sucesso. Há aquele provérbio ‘longe da vista, longe do coração’, nós temos de colocar estas pessoas no meio de nós, para que elas possam ser lembradas. E isto é uma estratégia de qualquer marca, de qualquer empresa. Se queremos ser lembrados, temos de estar próximos, e não vamos conseguir desbloquear preconceitos, nem vamos conseguir que os empregadores se lembrem que estas pessoas existem, se eles não as virem. É só isto.
Esperamos que um dia o café Joyeux seja apenas mais um café alegre, feliz, inclusivo, como qualquer outro pode ser.
Este ano foi distinguida pela revista Ativa com o prémio ‘Mulher Inspiradora 2022’, na categoria ‘Solidariedade’. Que importância teve esse reconhecimento até para esta causa, para esta missão?
Foi um dia muito, muito especial. Coincidiu com o dia dos anos do meu filho Manuel, portanto, foi um misto de emoções, o dia 18 de Abril.
Para mim significa o reconhecimento de um trabalho que é feito em equipa, e de um sonho que teve muita força para acontecer. O sonho comanda a vida, é verdade, nunca devemos desistir daquilo em que acreditamos. Este projeto foi, de alguma forma e sem presunção nenhuma, visionário. Pessoalmente, como mãe, acreditei piamente que havia um trabalho a fazer na sociedade, de comunicação positiva das capacidades destas pessoas, para que esse caminho leve a que um dia a diferença seja ‘ouvir paisagem’, como costumamos dizer.
Acreditei muito nisso desde o princípio. A visão tem de existir, obviamente, mas sem uma equipa não conseguimos fazer nada, portanto, foi um reconhecimento que foi partilhado com toda a equipa, um agradecimento enorme a todas as pessoas que nos ajudam a fazer isto acontecer, desde o momento zero, a todos os parceiros, amigos, e à minha família próxima, que tem passado as ‘passas do Algarve’ com esta dedicação que é necessária, dia a dia, mas tem compensado e transformado tanto, que acredito que muito em breve, mesmo sem a minha presença como responsável do projeto, ele ganhe músculo e se torne autónomo.
A inclusão será o tema esta semana do podcast ‘Somar Ideias’, coincidindo com a abertura de mais um café Joyeux. Quer deixar alguma mensagem aos jovens sobre esta temática?
Os jovens têm sido os maiores aliados deste projeto. O café Joyeux de S. Bento, em Lisboa, que está ao lado de uma universidade, está cheio de alunos o tempo inteiro. São pessoas que podem desempenhar, e desempenham, o papel de embaixadores todos os dias, e ajudar no papel que cada um individualmente tem para mudar o mundo. São eles as próximas famílias, os próximos empregadores e profissionais, portanto, está nas mãos deles envolver a comunidade que os cerca, para que o futuro seja, não diria mais inclusivo, mas que exclua menos.
A mensagem é esta: venham até ao café Joyeux, conheçam outros projetos que existem, incríveis, de impacto social, porque são vocês os agentes desta mudança.