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Cláudia Correia de Sá, 46 anos, prepara um prato de Bacalhau à Brás para um dos seus clientes habituais. Ela e o seu marido, João Macara, de 55 anos, abriram o restaurante “Cantinho Português”, em São Paulo, há cinco anos, o tempo que estão casados.
O projeto surgiu depois de João ter que fechar as suas empresas de construção no Brasil. Uma consequência da crise causada pelos escândalos de corrupção envolvendo as maiores empresas do setor.
“O Brasil está muito pior. A qualidade de vida das pessoas em 2006, aqui no Brasil, era muito superior ao que é hoje”, diz João, lembrando o país quando aqui chegou pela primeira vez.
“Os restaurantes estavam cheios, de dia ou de noite, as pessoas iam jantar fora”, relembra, referindo o “sucesso” dos primeiros anos de Governo do ex-Presidente Lula da Silva - agora preso por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Atualmente, explica, o problema é a incerteza que afasta os investidores. João e Cláudia fazem parte dos mais de 169 mil Portugueses no Brasil. O casal vê no candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro uma esperança nas eleições deste ano: que traga mais benefícios a empresários como eles.
“Venha o diabo e escolha, mas para um empresário é preferível que seja o Bolsonaro que seja eleito”, diz João. Cláudia acrescenta que as políticas trabalhistas atuais são sufocantes para pequenas empresas como a sua.
“Talvez o seu radicalismo nos ajude, porque ele vai mexer nas coisas e pode empurrar [benefícios] para o nosso lado”, diz Cláudia. “Eu acho que ele tem uma mão mais forte e acho que o Brasil está a precisar disso”, concordam os dois.
Segundo o centro de pesquisa Datafolha, sete em cada 10 brasileiros resumem as eleições num sentimento: tristeza. Para eles a saúde, a violência, a corrupção e o desemprego - de momento a 12,3% - são os principais problemas no Brasil.
“As pessoas estão desesperadas”
Mesmo assim ainda há quem não se deixe desapaixonar. Anabela Cunha trabalha na área da música e, no seu escritório no bairro de Itaim Bibi, em São Paulo, guarda alguns dos discos de bandas que ajudou a lançar.
“Tenho muito sorte em fazer este trabalho”. Anabela chegou à cidade há sete anos com o marido e dois filhos. Hoje em dia já tem quatro e não vê a sua vida em qualquer outro lugar do mundo. Contudo, reconhece sentir na pele a situação difícil que o Brasil atravessa.
“As pessoas estão desesperadas, eu estou desesperada porque tenho os meus filhos aqui e o meu trabalho aqui”, conta. “Há cinco anos atrás eu estava numa situação dez vezes melhor.”
Anabela nota que, quando chegou, o mercado imobiliário estava completamente saturado, hoje, “por todo o lado” há casas vagas. O mesmo nos restaurantes. E, no seu trabalho, diz ser cada vez mais difícil organizar concertos ou ganhar um projecto.
“As coisas foram abrandando e há seis meses para cá estagnaram completamente”, diz.
Para Anabela, sair do país está fora de questão, independentemente do resultado das eleições. No entanto, admite que já vários dos seus amigos voltaram para Portugal ou estão em processo de o fazer. João e Cláudia dizem o mesmo.
A “insustentável” a insegurança no Rio
Um desses portugueses é André Seixas. Engenheiro, fugiu da crise em Portugal em 2012 para o Rio de Janeiro onde se casou e foi pai de um menino, agora com quatro anos. Tornou-se carioca de gema, ganhou sotaque e é até "ritmista” em várias escolas de samba.
“Até ao princípio do próximo ano estamos em Portugal”, conta por telefone desde o Rio de Janeiro. “O salário que vou ter em Portugal é muito mais baixo que aqui, e vou ter que viver para longe do centro, para além do tempo que me permite ir à praia nove meses por ano não existe lá”.
André enumera todas as razões pelas quais vai ter saudades da “Cidade Maravilhosa”, mas também diz que se tornou “insustentável” a insegurança no Rio de Janeiro, e sob a presidência de Bolsonaro seria ainda pior.
“Aqui, acordamos às 6h00 da manhã com um tiroteio e, às vezes, estamos de carro e não sabemos o que fazer, com o miúdo no banco de trás”, diz, referindo-se ao seu filho.
Segundo o IBGE, mais de metade dos alunos do 9º ano no Brasil frequentam escolas em áreas consideradas perigosas.
No Rio de Janeiro, desde o início da intervenção militar em áreas de crime elevado (fevereiro 2018), os homicídios na cidade aumentaram 5% em relação ao ano anterior. Isso corresponde a 738 mortes em confrontos com a polícia entre fevereiro e Julho- mais 35% que o ano anterior.
André Seixas junta-se a outros emigrantes que estão, lentamente, a voltar a Portugal. Mas também há indicações que muitos brasileiros, especialmente das classes mais altas, estão a rumar ao país de Camões, com pedidos de cidadania portuguesa ou de outros países europeus. Em Itália há mais de 120 mil pedidos de cidadania dessa nacionalidade por brasileiros.
Um sinal do descontentamento e da insegurança alarmante que o Brasil atravessa, um dos principais desafios para o próximo Governo a ser escolhido nas eleições do dia 7 de outubro.