Há poucos dias apareceu-me numa rede social que não recordo, uma publicação que citava a atriz Jodie Foster num comentário pouco apreciativo dos jovens profissionais da chamada “geração Z”, que ela classificava de “realmente aborrecidos, incapazes de usar gramática correta e de aparecer para o trabalho antes das 10h00 da manhã”. Na altura achei que era uma armadilha para cliques, mas depois acabei por ver a mesma citação no website da revista Fortune.
Posso já avisar que o tema deste artigo não é o que eu penso da Jodie Foster e da sua afirmação. O que se segue é a minha reflexão sobre o que vejo acontecer nesta relação entre os jovens e o mundo do emprego, informada pelo facto de pertencer a um agregado familiar com quatro jovens nesse segmento, fora os primos e os amigos, e de lidar há vários anos com centenas de alunos que saem de uma das mais prestigiadas universidades da nossa praça para o mundo profissional.
Sabendo que o conflito geracional é uma realidade inerente à existência humana, a verdade é que nos últimos anos há um crescente desfasamento entre as expectativas e necessidades dos jovens profissionais, e as realidades oferecidas pelo mundo empresarial. Este desfasamento provoca um sentimento de desconfiança entre muitos recém-chegados ao mercado de trabalho, uma vez que as suas necessidades e aspirações profissionais não são consideradas, e muito menos satisfeitas.
Como membro emérito deste mundo corporate, fico triste. Passo bastante tempo a pensar sobre o tema, entre as muitas tentativas de ajudar os mais próximos a ultrapassar os desafios. E penso, “mas será que a culpa é mesmo dos miúdos?” - não se zanguem, é assim que me refiro aos meus filhos, mentalmente (e não só).
Tendo chegado ao mundo do trabalho em 1990, fui uma privilegiada em muitos sentidos: tive várias oportunidades de trabalho, pude escolher a que mais me agradava, fui bastante apoiada em momentos chave do meu percurso inicial e vi crescer algumas das grandes instituições que hoje são dos mais relevantes empregadores do nosso mercado. Fui também testemunha de um movimento ímpar de profissionalização da gestão de empresas em Portugal, quando “qualidade”, “cultura empresarial”, “gestão de carreira” e outros conceitos relevantes começaram a ser aplicados como pilares estratégicos de competitividade pelas organizações onde trabalhei.
Mas então, passados tantos anos, onde será que reside o problema?
Há, à partida, dois fatores muito óbvios: o desalinhamento de valores e objetivos, e a falta de oportunidades de progressão na carreira.
Os jovens profissionais de hoje são mais propensos do que as gerações anteriores a procurar um trabalho significativo que se alinhe com os seus valores pessoais. No entanto, muitas empresas não conseguem (ou não querem) oferecer esse alinhamento, concentrando-se única e exclusivamente nas métricas comerciais tradicionais. Este desalinhamento leva a um sentimento de desilusão entre os jovens trabalhadores, que sentem que o seu trabalho não tem um propósito e não contribui positivamente para a sociedade. Vamos criticá-los? Não me parece.
Por sua vez, as oportunidades de lançamento da carreira estão cada vez mais limitadas. Os salários brutos auferidos por licenciados e até mestres em gestão de empresas são pouco superiores ao salário mínimo nacional. E, além disso, os jovens são recrutados com contratos precários, repetidos nos limites permitidos pela lei, e substituídos por outros equivalentes chegado esse limite, “para não aumentar os custos” da empresa.
Na mesma linha de raciocínio, outras situações que já vi de perto: expectativas ridículas sobre a autonomia e competências profissionais de recém-licenciados, e uma crónica incapacidade para transmitir objetivos, sejam eles quantitativos ou qualitativos. Ou seja, situações de transparência duvidosa, que originam sessões de feedback do estilo:
O chefe: Não passas já a efetivo pois estiveste aquém dos objetivos.
O jovem: Objetivos? Mas ninguém me transmitiu objetivos ... Mas tudo bem, quais eram? Onde é que falhei, para poder melhorar?
O chefe: Não sei...
Desculpem lá, isto parece um cartoon do Dilbert!
Para se poderem desenvolver nas suas carreiras, os jovens profissionais precisam de feedback regular e canais de comunicação abertos para compreenderem o seu desempenho e as áreas a melhorar. No entanto, em muitas empresas, a comunicação é feita de cima para baixo, com pouca frequência e, num caso extremo que também vivi de perto, aos berros. Quem é que nestas situações se conseguirá sentir valorizado e alinhado com os objetivos da sua organização?
Outro ponto de discórdia frequente é o facto de não se dar a devida atenção ao desenvolvimento profissional e à aprendizagem contínua. Num mercado de trabalho em rápida mutação, os jovens profissionais compreendem a necessidade de atualizar continuamente as suas competências. No entanto, este tópico está pouco presente nas prioridades das empresas e raras são as que disponibilizam recursos ou oportunidades para o desenvolvimento profissional contínuo, esperando que os trabalhadores procurem essas oportunidades de forma autónoma. Se não o fazem: “não mostras iniciativa!”.
Por último, o tema do equilíbrio entre vida profissional e pessoal. O tradicional dia de trabalho das 9 às 5 foi, na década de 80 do século passado, substituído pelo dia “das 9h00 até eu precisar de ti” e parece que essa mentalidade não passou, apesar da produtividade não crescer de forma linear com as horas trabalho – são as estatísticas que o dizem, não é só a minha opinião. Se algumas gerações alinharam com esta postura, ela está cada vez mais em desacordo com os desejos dos profissionais de hoje, que procuram um melhor equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Podemos criticá-los? Não. O ser humano não se resume ao seu trabalho e há que ter tempo para cuidar o corpo, a mente, a família, a espiritualidade, enfim... os muitos aspetos que constituem a nossa essência.
Em conclusão, as empresas estabelecidas enfrentam realmente um desafio significativo para satisfazer as expectativas e as necessidades de carreira dos jovens profissionais. Para reter e atrair jovens talentos – que, aqui entre nós, será necessário para continuarem a existir - estas empresas devem adaptar-se, oferecendo melhores oportunidades de progressão na carreira, alinhando-se com os valores e objetivos dos seus colaboradores, centrando-se no desenvolvimento profissional, proporcionando compensações e benefícios competitivos, assegurando um equilíbrio saudável entre a vida profissional e pessoal e promovendo uma cultura de comunicação e feedback abertos. Ou seja, criando relações de trabalho saudáveis, estimulantes e transparentes, em que ambas as partes ganham.
A não abordagem destas questões de forma eficaz vai resultar, no curto prazo, num fosso cada vez maior entre empregadores e jovens profissionais e, no longo prazo, na perenidade das taxas elevadíssimas de emigração dos nossos recursos mais valiosos, fundamentais para o desenvolvimento não só económico como também social deste país.
Por favor, reconsiderem.
Sílvia Almeida, professora da Católica-Lisbon School of Business and Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics