“Não há nenhum país do mundo, mas concretamente da Europa, que escape a este fenómeno do crime organizado.” É o que defende José Manuel Anes, professor universitário e investigador do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT).
À Renascença, o especialista esclarece que Portugal não tem grandes grupos de crime organizado, mas que “os tentáculos das outras organizações vêm cá ter, sejam eles italianos, sejam eles sul-americanos.”
As declarações de José Manuel Anes surgem após a publicação, na terça-feira, de um relatório da Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, que conclui que Portugal deve ter particular atenção às atividades criminosas de tráfico de seres humanos, armas e drogas.
O estudo da organização não-governamental indica também para riscos no cibercrime e na criminalidade económico-financeira.
“O crime organizado não tem ideologia, exerce a sua ação através da obtenção de lucro por meios ilícitos como o tráfico de armas, de seres humanos de droga, e, digamos que toda a penetração na esfera financeira e económica é que vai minar o Estado e correr a sociedade através dessa ação criminosa”, ressalta José Manuel Anes.
Mark Shawn, diretor da Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, escreve no relatório que os grupos criminosos estão a adaptar-se e a aproveitar as novas oportunidades. Sobre o que está a ser feito para combater o crime organizado em Portugal, José Manuel Anes afirma que o Estado não está parado, principalmente no que toca ao cibercrime.
“Nós temos, na Polícia Judiciária, a unidade de combate ao cibercrime, UNC3T, que é extremamente poderosa, está muito bem montada.”
Porém, o investigador da OSCOT sublinha que o Estado tem de investir mais e que não há tempo a perder.
“Todas as áreas da polícia judiciária precisam de cada vez mais investimento, porque o crime organizado está em evolução constante, com grande competência e grande capacidade de meios. Logo temos que estar sempre atrás do fenómeno, não podemos estar à frente, infelizmente, mas temos que estar sempre atrás desses para defesa da sociedade.”
José Manuel Anes salienta que lutar contra o crime organizado é defender a sociedade e os cidadãos, pois estas atividades ilícitas prejudicam os países do "ponto de vista económico e financeiro. A atividade criminal é terrível, tem dimensões absolutamente extraordinárias.”
Cenário criminal em Portugal
Segundo o relatório, "Portugal é sobretudo um país de destino do tráfico de seres humanos". A maioria das vítimas em idade adulta vêm para trabalhar ilegalmente, fruto de práticas ilícitas de agências de emprego, recrutamento temporário e promessas faltas.
Grande parte destas pessoas são de países africanos, América do Sul, sul da Ásia (Bangladesh, Índia e Nepal) e a Europa de Leste (Bulgária, Moldávia e Roménia). Há também vítimas menores de idade, predominantemente rapazes de origem romena, explorados para adoção, trabalho, mendicidade ou sexo.
A posição geográfica de Portugal torna-o ‘ponte’ da rota criminal entre a América Latina e a Europa, mas também no trânsito de droga, proveniente de países como Marrocos, e de armas de fogo traficadas para África. Além disso, o estudo aponta que o número de ciberataques “aumentou significativamente, em especial nos setores da Educação e da Saúde”.
O relatório reconhece a presença de grupos mafiosos em Portugal, destacando a ligação destes à segurança privada na vida noturna – principalmente na cidade do Porto – e de bandos como os Hell's Angels.
Portugal ocupa neste relatório o 118.º lugar entre 193 países ao nível do índice de criminalidade, numa lista liderada por Myanmar, Colômbia e México. A Europa é o continente com menos nível de criminalidade e a Ásia tem o mais elevado.